“Querem infantilizar os brasileiros com essa história de pai e mãe”. Essa foi a frase politicamente mais significativa e importante que a candidata Marina Silva pronunciou em toda a campanha eleitoral. Mais importante que todas as suas quilométricas panacéias sobre sustentabilidade.
Na véspera, o presidente Lula, num discurso em Pernambuco, decretou que “a palavra não é governar; a palavra é cuidar. Eu quero ganhar as eleições para cuidar de meu povo como uma mãe cuida de seu filho”.
A declaração de Marina, feita durante o debate UOL-Folha, colocou as coisas em seus devidos lugares: estamos numa das campanhas políticas mais despolitizadas da história recente do País e devemos isso aos candidatos principais, a seus partidos e aos construtores de suas estratégias eleitorais – que ouvem o galo cantar há dezenas de anos e não sabem onde.
Na semana passada, quando escrevi neste espaço sobre a predominância do emocional sobre o racional nas campanhas políticas, baseado nas experiências neurológicas de cientistas norte-americanos descritas no livro O Cérebro Político, não estava me referindo aos tangos chorosos de Libertad Lamarque, mas a narrativas políticas construídas sobre bases emocionais, na reafirmação de crenças e valores básicos que diferenciam candidatos e partidos políticos.
Um vídeo postado esta semana no blog de Augusto Nunes mostrando um debate entre Mário Covas e Paulo Maluf na campanha eleitoral de 1998 para o governo de São Paulo é um exemplo do que se entende por uso legítimo e correto do fator emocional no discurso político.
Cansado de ser submetido à tediosa enumeração de realizações supostas ou não, medidas em números verdadeiros ou forjados, de total irrelevância e absolutamente intraduzíveis para o eleitor comum, Covas deixou de lado por alguns momentos aquilo que se convencionou chamar de “programa de governo” (que de resto cada candidato pode copiar do outro ou pode inventar ou maquiar à vontade) e partiu para um duelo de fundamentos que se resumia a isto: mostrar a diferença que havia entre ele e Maluf em história de vida, crenças, princípios.
Em suma, ele mostrou que era Covas e que o outro era Maluf. No segundo turno, a diferença entre ambos, que era de 1.5milhão de votos a favor de Maluf, passou para quase 2 milhões a favor de Covas. E ele não venceu porque prometeu mais 14 unidades de saúde ou 73 km de estradas ou redução de 0,3% no ICMS dos liquidificadores, mas porque mostrou a diferença substancial que existia entre ele e seu adversário.
Os marqueteiros políticos têm horror ao confronto e às verdades. Os “soi dissant” analistas políticos, a maioria deles de rabo preso com algum dos interesses em jogo, se horrorizam com “a agressividade” de alguém que se dispõe a questionar o adversário, como se os candidatos estivessem em cena apenas para interpretar um “pas de deux” de cordialidade forjada e hipócrita substituindo o verdadeiro confronto das idéias que constituem a substância política de cada um.
A campanha política se transformou num jogo de faz de conta, como se o verdadeiro debate de idéias e de princípios, que é o que marca a diferença entre uns e outros, tivesse que ser, obrigatoriamente, um festival de incivilidades.
A despolitização da política e a infantilização do País, com a dedicada ajuda do presidente que quer tratar uma nação como a mãe trata os filhos, dos marqueteiros, dos analistas políticos que abominam a exposição e o debate das diferenças, estão tratando de tornar a eleição onde se decide o futuro do País numa fantasia onde 135 milhões de eleitores são convocados a brincar de casinha.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat