Num concurso para ver quem bebia mais cachaça e não caísse, o meu querido amigo era um David diante de um Golias. Um gringo pra lá de forte, musculoso, largo e alto era seu adversário. Uma potência em deglutir destilados.
Não se sabe como aquilo começou, de onde veio a idéia de opor em tal disputa um mero bebedor de cerveja morna contra um profissional internacional do copo. Não havia mais como fugir, o jeito era enfrentar a fera.
Cerimoniosamente iniciou-se a batalha. Dois pequenos copos foram preenchidos com a mais pura e envelhecida aguardente da região. Em segundos estavam já vazios. Segunda rodada, tudo tão rápido quanto. O mesmo nas terceiras e quartas degustações.
Temendo pela velocidade da ingestão alcoólica, alguém teve a idéia de sugerir uma parada para um copo de água e uma respirada. Meu amigo inspirou e expirou com vontade, já sentindo chegar os efeitos do que sorvera. Tenho que informar que todos torciam pelo nosso brasileiro, pela honra mineira que estava em jogo.
O insaciável estrangeiro reclamou da demora, queria continuar o desafio. E recomeçaram o encher e esvaziar de cálices de pinga. Lá pela dúzia de goladas, mais uma parada técnica, pois o condicionamento físico do nosso companheiro já não parecia dos melhores. Uma ducha de água fria na cabeça foi providenciada, ali mesmo no terreno da guerra. Mas sentiu-se logo que seria uma loucura prosseguir no combate. O que fazer? Desistir nunca.
Armou-se uma estratégia: dali para frente, o cálice do conterrâneo só receberia água. Seria fácil engambelar o forasteiro, todo mundo se ocupando em distraí-lo no momento da recarga. E ele continuaria ingerindo a birita, água que passarinho não bebe.
Esqueci-me de contar que, àquela altura, e isso é que provocou a intervenção da platéia, os dois contendores (principalmente o nosso) brigavam para ficar em pé.
Foi o reconhecimento de que o estranja, cujo rosto ao beber denotava prazer mas também uma tranqüilidade de quem engolisse suco, estava mais firme e prestes a nos impor uma incontestável derrota; foi essa previsão que fez com que a turma fizesse tal intervenção. Os fins justificam os meios?
Não se estava no campo da filosofia ou da política, logo isso não foi
considerado. O fato é que o alienígena, esperto, desconfiou da traquinagem, diante da constatação, ele ainda tinha condições para isso, de que seu adversário retomara um ritmo de viradas muito maroto. Mas não houve como provar qualquer deslize. E assim a batalha prosseguiu até que, depois de dezenas de branquinhas e uma torcida feroz, o visitante deitou seu corpanzil em terras mineiras e roncou. Grande vitória nacional.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas.