Arruda ajuda

O espetáculo de corrupção explícita protagonizado pelo governador do Distrito Federal José Roberto Arruda e seus comparsas conseguiu fazer um milagre que santo algum imaginaria possível: obrigar o Executivo, o Legislativo e o Judiciário a se coçarem para dar resposta aos brasileiros, fartos de tanta ladroagem e malversação do dinheiro público.

Além de ter motivado a atitude inédita do STJ de prender preventivamente um governador, o escândalo foi a gota d’água para a Câmara dos Deputados se mobilizar e debater a inelegibilidade dos que têm dívidas com a Justiça.

Até o presidente Lula – que em dezembro dizia que as imagens da corja do DF não falavam por si – entrou na onda. Aproveitou-se dos holofotes e enviou à Câmara um projeto de lei que pune empresas que pagam propinas a agentes públicos. Mesmo que seja só mais um jogo de cena – pois nada indica que Lula fará qualquer esforço para colocar sua larga maioria parlamentar para aprová-lo – o mérito de a proposta governamental anticorrupção ir parar no Congresso é de Arruda.

No Legislativo, mal o ano começou, o presidente da Câmara Michel Temer (PMDB-SP) apressou-se em garantir que colocaria em pauta o projeto de lei de iniciativa popular (PLP 518/09), conhecido como “ficha limpa”, que impede os “fichas sujas” de serem candidatos.

Com 1,5 milhão de assinaturas, a proposta chegou ao Parlamento em setembro do ano passado, sendo rechaçada pela maioria devido ao rigor de suas punições. Articulada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e mais de duas centenas de entidades civis, a emenda só obteve apoio imediato de 22 dos 513 deputados. E, como outros tantos projetos similares que há mais de 10 anos se escondem nos escaninhos do Congresso, acabou sendo engavetada.

Agora, por obra e graça de Arruda, ela encabeça a lista dos 14 projetos de teor semelhante que começaram a ser analisados por um grupo especial suprapartidário.

A emenda popular impede o registro de candidatos condenados “em primeira ou única instância” por desvio de verbas públicas, racismo, homicídio, estupro e tráfico de drogas. Estabelece ainda a inelegibilidade por oito anos de todos os culpados, mesmo para os que renunciam aos mandatos para evitar uma eventual cassação. Se a regra já valesse, o próprio Arruda – que em 2001 abriu mão do Senado para não ser defenestrado – há muito estaria fora de cena.

Vista por muitos como um julgamento sumário que fere o princípio da presunção da inocência, a proposta está longe de querer prejulgar ou culpar alguém. Apenas fixa regras mais rígidas para a disputa do voto popular, exigindo do candidato o que é obrigatório para os cidadãos comuns: um atestado de bons antecedentes.

O relator do grupo especial, deputado Índio da Costa (DEM-RJ), já adiantou que o texto original será amenizado para ter alguma chance de aprovação em plenário. A idéia central, ainda longe de ser consensual, é subir o impedimento para condenações em segunda instância.

É melhor do que nada e já seria um grande avanço. Mas, como a Câmara não dá ponto sem nó, o substitutivo em negociação inclui a proteção dos atuais “fichas sujas”, empurrando a vigência das novas regras para as eleições de 2012.

Embora atenda ao dispositivo legal que impede mudanças na legislação eleitoral nos 12 meses antes do pleito, ao fixar uma data na lei, tira-se a chance de o TSE incluir a matéria em suas resoluções para as eleições de outubro deste ano.

Há outro fator que o grupo especial da Câmara deveria analisar. E também aí o governador Arruda pode ser de grande valia. Sua prisão, decidida para que suas ações não minassem as investigações sobre os descalabros do DF, adiciona o caráter preventivo à emenda contra os “fichas sujas”. Afinal, ela impede que condenados ganhem o absurdo foro privilegiado, emperrando o andamento do processo. 

Resta-nos torcer para que as excelências com assento na Câmara consigam achar o juízo perdido e aprovem o projeto “ficha limpa”. Do contrário, além de sustentar e estimular a corrupção, estarão enterrando de vez o sopro de esperança que o STJ deu aos brasileiros ao prender Arruda. E vão ferir de morte a presunção popular – ainda que inocente – de que vale a pena lutar por alguma dignidade na política.

Este artigo foi escrito para o Blog do Noblat

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