Apostas em postes

Há 65 anos, a ditadura do Estado Novo chegava ao fim, mas Getúlio Vargas não fora de todo vencido. Deposto, nem mesmo teve seus direitos políticos cassados, como fizera com seu antecessor. Permutou sua alforria em troca do apoio explícito a Eurico Gaspar Dutra, seu leal ministro da Guerra. E foi decisivo na vitória do ex-auxiliar que, cinco anos mais tarde, lhe facilitaria a volta à presidência, nos braços do povo.

Militar de carreira, Dutra era aplicadíssimo, tido como operante e competente. Foi um dos mais fiéis colaboradores do Estado Novo. Meses antes da derrocada, em 1945, se rebelou, passou a defender a democracia e lançou-se candidato, com o expressivo apoio das mesmas forças que escudaram Vargas, o PSD e o PTB.

Assim como a ex-ministra Dilma Rousseff, Dutra jamais disputara o voto popular e, se os dias fossem os hoje, com farta exposição à mídia e horário gratuito em rádio e TV, dificilmente passaria nos testes de empatia. Elegeu-se com 55% dos votos e, inaugurou, com êxito, a vitória do poste. E não o teria feito, reconheceu, sem o apoio expresso de seu antigo chefe.

Ainda que contrafeito – considerava Dutra um traidor -, Getúlio acabou por escrever o único registro na história republicana brasileira em que a popularidade de um presidente elegeu o sucessor. Isso assim, sem que Vargas fizesse lá qualquer esforço. Sua única motivação era voltar, pelo voto direto, ao Palácio do Catete onde já imperara, pela força, por longos 15 anos.

Estímulo semelhante, de certo, deve mover o presidente Lula. Por mais esforço que se faça, é difícil encontrar outro motivo para Lula preferir inventar uma Dilma ao invés de ungir lideranças experientes, que poderiam mais facilmente potencializar a estupenda popularidade do presidente.

Mesmo sendo um caminho mais árduo, escolher alguém sem luz própria pode ser compensador. Às vezes, não.

Nas disputas estaduais ou municipais há vários exemplos bem sucedidos de transferência de votos, embora nem sempre os afilhados tenham sido fiéis aos seus padrinhos. Que o digam Paulo Maluf, que criou o mais tarde traiçoeiro Celso Pitta, ou Orestes Quércia, patrono de Luis Antônio Fleury Filho, que preferia não ser associado ao chefe.

Em eleições presidenciais a História não foi tão benévola. Especialmente para aqueles que apostaram todas as fichas em postes.

Com toda a máquina do quase imbatível PSD e uma ampla coligação de matizes ideológicos para todos os gostos – do PTB ao PCB -, Juscelino Kubitschek, o presidente mais amado do país, tentou emplacar sem êxito o marechal Henrique Teixeira Lott. Perdeu feio para Jânio Quadros, do então Partido Trabalhista Nacional (PTN), apoiado pela arquiinimiga UDN.

Lula pode repetir o êxito de Vargas – e na verdade já o tenta. Basta olhar a sua proposta de Consolidação das Leis Sociais (CLS), um quase plágio da CLT de Getúlio. Guarda similitudes também sua sedução ao populismo e ao culto à própria imagem. E, assim como Vargas, quer fazer crer que inventou um novo país, e que a História do Brasil, quiçá do mundo, começou com ele. Mas também pode, assim com Kubitschek, colher revezes.

Conseguir ou não transferir votos é sempre uma incógnita. Uma aposta no escuro. Mas, dê no que dê, o presidente Lula joga certo de que postes, mesmo sem luzes, servem para sustentar fios. Ainda que sejam para 2014.

 Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat

Um comentário para “Apostas em postes”

  1. Conveniências da política: o companheiro Lott, herói nacional – a palavra “herói” às vezes tem conotação negativa – sendo apoiado pelo irresponsável traidor da pátria do Kubits, o cara que trouxe a malfadada indústria automobilística pra cá…

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