A minha preta velha tem 80 anos, está inteiraça, mas andava um pouco enferrujada. Além disso, vivia suja. No fim de semana, resolvi cuidar dela. Pedi ao meu filho Paulo que a descesse do pequeno escritório que tenho, no mezzanino. Ela pesa bastante.
Reuni os produtos de limpeza, o polidor, e ataquei. Aquele “enferrujada” que usei vale apenas como retórica. Como é de alta qualidade, feita para durar, o que estava mais era suja, pelas emanações de frituras da casa, a poluição vinda da rua, a poeira.
Mesmo assim continuava bonita. O teclado é uma obra-prima. Teclas de ferro redondinhas, do tamanho da ponta de dedos adultos. A do retrocesso é um pouco maior, para se destacar. Assim como as duas para usar as maiúsculas – estas nas extremidades do teclado, como se usa ainda hoje.
As funções das teclas estão escritas em português, dentro delas. Em uma, das pequenas, cabe: “Fixador de maiúsculas”. Há coisas divertidas. Quando a gente aperta “maiúsculas” não é a base com o leque de tipos, leve, que sobe; mas todo o conjunto do carro (o rolo), pesado, onde está o papel.
O acionamento, ao apertar-se a tecla, no entanto, é tão perfeito que não se sente o peso. Para os mais jovens entre eventuais leitores, informo que, com o rolo em posição normal, os tipos imprimem no papel as letras minúsculas; com o rolo mais alto, as maiúsculas. Era assim com todas as máquinas de escrever manuais.
Outra curiosidade é que, quando a gente libera as travas do carro, ele corre livre até bater na borda (se prender um dedo, machuca). Quando ele bate, soa forte uma campainha de metal. Plém. Mais um detalhe: para enrolar a fita, abre-se uma portinhola (há uma de cada lado da máquina) e vira-se uma graciosa manivela.
Comprei a máquina há muitos anos, de segunda mão. Eu disse que ela tem oito décadas, mas é um cálculo. Creio que seja dos anos 1930. Letras douradas, marcadas sobre o corpo preto da máquina, indicam tratar-se de “Product of Remington Rand Inc”. Vendido em “filiaes e agências” do Rio de Janeiro e de São Paulo. Por “agentes CASA PRATT geraes”.
Até chegar o computador, quando batia matéria (para os jovens: digitava um texto de jornal) em casa, usava a minha Remington. Achava-a mais macia, mais precisa, do que as máquinas modernas. E o som do tac tac tac é seco, redondo.
A limpeza que fiz resultou bem: os cromados ficaram brilhantes (80 anos, veja a qualidade deles) e o preto da pintura do corpo, que é de ferro, muito bom. Embaixo do nome do fabricante, as letras douradas indicam: Made in USA. Se fosse hoje, viria um Made in China. E a história seria outra.
Outubro de 2010