Há poucas dúvidas sobre quem vai ganhar a eleição presidencial. A candidata oficial, segundo todas as pesquisas, está mais de 20 pontos na frente do principal candidato da oposição. Dificilmente perderá.
Esse é um motivo de júbilo para os que acreditam que a democracia se expressa no pensamento da maioria. E, de fato, essa é a essência da democracia – a reiteração da vontade expressa da maioria, que aprova o governo e lhe concede salvo-conduto para que ele continue executando a política que as urnas estão prontas para ratificar e consagrar.
Por que, então, esse incômodo com a situação que as urnas estão prontas a legitimar? Se o povo quer que essa situação continue, quem tem legitimidade para se opor?
Essa é a leitura rasa da democracia: um não quer, mas dois querem. Dois são mais do que um, e portanto ganha quem tem mais. Opor-se à vontade da maioria seria uma tentativa golpista de anular a sua vontade e sobrepor a ela a vontade da minoria.
Não é tão simples.
Claro como água que a vontade da maioria deve se impor. Sobre isso, não há dúvidas. A candidata escolhida pela maioria prevalecerá e ninguém vai impedir que ela forme seu governo e execute a plataforma que defendeu durante a campanha eleitoral.
O problema é mais sutil. A democracia é um regime que se fundamenta no sistema de check and balances, uma formalização sistemática da imposição dos pesos e contrapesos, cuja principal finalidade é evitar que a prevalência da vontade da maioria signifique o esmagamento da expressão política da minoria. Ou seja: a maioria fica legitimada pelo voto a aplicar o seu programa de governo, mas nem por isso está autorizada a esmagar e anular a expressão da vontade da minoria,com quem deve interagir através de alguma forma de diálogo e de concessões democráticas, exatamente em nome desse equilíbrio.
Esse é, claro, um pressuposto de democracias maduras. Seria muito otimismo acreditar que estejamos prontos a aplicar essa práxis no nosso incipiente estágio de evolução democrática. É mais fácil acreditar que os vencedores estejam preparados a tripudiar sobre os vencidos do que a conceder-lhes o crédito por pressupostos universais, politicamente válidos para ambos os lados.
O fato é que a oposição política brasileira está gostosamente pronta para perder as eleições porque não se preparou intelectualmente nem programaticamente para ganhá-las. Não conseguiu contapor nenhuma idéia fundamentalmente mais sólida às idéias hegemonicamente impostas pela situação. Não soube avançar nem um passo sequer além do triunfalismo inconseqüente do governo e não conseguiu propor nenhuma idéia mais sólida do que o assistencialismo e o paternalismo que se impuseram como política oficial. Como alternativa para um Bolsa Família, a oposição não conseguiu formular uma proposta melhor do que um Bolsa Família e meia. Para um discurso de Lula, não soube apresentar mais do que um discurso de um Lula e meio. A oposição se preparou com muito empenho para uma derrota, e está pronta para colhê-la, por não ser capaz de propor uma alternativa melhor. Vai perder, e não lhe falta merecimento para isso.
Só lhe resta, agora, lutar para não permitir que desapareçam as salvaguardas que evitem a sua extinção total, embora não tenha conseguido fazer por merecê-las.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat