A social-democracia alemã, praticamente a mãe de todas as social-democracias, renunciou a Marx e à luta de classes em seu congresso de 1959, em Godsberg.Não é pouco tempo. São 51 anos.
De lá para cá, os partidos social-democratas do mundo adotaram a economia de livre mercado como modelo mais aceitável e o mais adequado para a produção de riquezas e se propuseram a frear os destemperos do capitalismo com normas regulatórias e uma rede de proteção social que não deixasse os desvalidos inteiramente entregues à própria sorte. Em resumo,um capitalismo sob controle, com freios, e com mecanismos destinados a disseminar o bem estar social.
No Brasil, a social-democracia está estampada no nome do partido (PSDB-Partido da Social Democracia Brasileira) que desde 2003 representa a principal força de oposição ao petismo, que está às vésperas do início de seu terceiro período consecutivo de governo, como força majoritária de uma coalizão onde a sua força ideológica nominalmente de esquerda se apresenta diluída por uma aliança com partidos conservadores e fisiológicos, e onde o que se faz de novo é repetir tudo o que se fez de velho na política brasileira.
Na verdade, o PSDB é doutrinariamente tão social-democrata como o PT é socialista. Em tese, são dois galhos nascidos do tronco da mesma árvore, mas o destino e as peculiaridades da política brasileira conseguiram transformar o que em tese poderiam ser dois gêmeos quase univitelinos em inimigos mortais e em caricaturas ideológicas.
O PT mantém firme a sua retórica socialista, ainda que na prática não consiga estabelecer, como operador da máquina de governo, nada mais do que tímidos ensaios de redistributivismo, implantando programas assistencialistas que deixam as estruturas sociais intactas e a iniqüidade intocada, mas aliviam as emergências mais gritantes da pobreza , e adotando políticas econômicas solidamente ortodoxas.
O PSDB nunca teve uma retórica muito firme nem muito clara para defender, porque na verdade sempre foi uma confederação de vagos social-democratas, indefinidos centro-esquerdistas, um partido de quadros, não de massas, com frágeis raízes no tecido social e convicções mais frágeis ainda. As circunstâncias fortuitas que o levaram a exercer o poder por oito anos consecutivos, a reboque de Fernando Henrique Cardoso e do bem sucedido Plano Real, o transformaram na personificação do anti-PT. Aliado a um partido ideologicamente mais vago e artificial, o DEM, um ajuntamento nascido dos escombros da antiga Frente Liberal, que se desgarrou do governo militar para apoiar Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, tornou-se o outro prato da balança do poder, no lugar oposto ao do PT.
O PSDB passou quase toda a campanha eleitoral escondendo a sua obra modernizadora (estabilidade econômica, austeridade fiscal, privatizações) como se sentisse vergonha dela.Durante os oito anos do governo Lula fez uma oposição ambígua, tímida e quase pedindo desculpas pela ousadia de se opor. Na campanha, ainda com medo de confrontar a avalanche de aprovação do presidente nas pesquisas de opinião, tentou apresentar-se como uma espécie de continuação confiável e não conseguiu defender nem as suas próprias antigas e bem sucedidas bandeiras e muito menos apresentar bandeiras novas. Não conseguiu ser situação, porque já havia uma, e nem conseguiu ser oposição, por falta de substância e de convicção.
Agora algumas lideranças do partido falam em “refundação”. Os oito governadores que elegeu se reuniram em Maceió esta semana e decidiram que não cabe a eles fazer oposição, porque o projeto de país que eles defendem se limita a ficar bem com o governo federal para receber verbas. Mas “refundar” o que, se o próprio partido não sabe nem o que é nem o que quer?
Assim, de recuo em recuo, o grande projeto da oposição brasileira parece ser esse: morrer aos poucos, quietinha, sem fazer barulho pra não acordar ninguém. E deixar 44 milhões de votos órfãos de pai e mãe.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 17/12/2010.