A voz dos 4%

“Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos.”
Do Manifesto em Defesa da Democracia, setembro de 2010

 “Aqueles velhos reaças e golpistas Hélio Bicudo e dom Paulo Evaristo estão assinando o manifesto pela democracia. Aí tem…”

A frase deliciosa que Sandro Vaia botou no Twitter na noite de ontem, terça, 21 de setembro, me voltou à cabeça assim que vi – ao chegar hoje ao Largo São Francisco, onde haveria o lançamento do Manifesto em Defesa da Democracia – o solidéu e a cabeleira do rabino Henry Sobel.

Era impossível não lembrar do culto ecumênico concelebrado ali pertinho, na Catedral da Sé lotada e silenciosa, por dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o reverendo Jaime Wright, em 1975, logo após o jornalista Vladimir Herzog ter sido assassinado nos porões do Doi-Codi. Não me lembro, mas seguramente Hélio Bicudo também estava lá, naquele dia de 1975, em que lotar a Catedral da Sé, diante da praça fortemente policiada, era uma das únicas formas de protestarmos contra a ditadura militar.

Quando Vlado foi assassinado pela ditadura, o rabino Sobel teve outro gesto de grande coragem. Fez com que o jornalista fosse enterrado em área normal do cemitério israelita, e não na área reservada aos suicidas. Não era pouco, esse tapa na ditadura e na sua versão de que Vlado havia se matado.

Dom Paulo, muito idoso e doente, não estava no Largo São Francisco hoje, mas foi um dos primeiros nomes a assinar o Manifesto em Defesa da Democracia. E lá estavam o rabino Henry Sobel e Hélio Bicudo. Tudo velhinho reaça e golpista, como brincou o Sandro. Tudo arroz-de-festa quando se trata de enfrentar a ditadura ou o perigo de uma nova. Sempre presentes.

 Grande dom Paulo, grande Hélio Bicudo, grande rabino Sobel.

Mario Covas certamente também estava lá. Como Franco Montoro, como Gofredo Silva Telles.

Os imprescindíveis, os que lutam a vida inteira.

O quórum de grandes nomes, hoje, no Largo de São Francisco, era excelente. Vi lá Roberto Freire, José Gregori, Clóvis Carvalho, José Carlos Dias, Miguel Reali Júnior, Celso Lafer, Paulo Renato. Não vi, mas estava lá também Paulo Brossard. Maravilha: vários  ex-ministros da Justiça e do STF.

Além desses, estão entre os primeiros a assinar o manifesto Carlos Velloso, Leôncio Martins Rodrigues, José Arthur Gianotti, José Álvaro Moisés, Lourdes Sola, Ferreira Gullar, Marco Antonio Villa, Bóris Fausto, Carlos Vereza, Mauro Mendonça, Rosamaria Murtinho. 

E lá estávamos eu e alguns velhos conhecidos e amigos meus. Me senti um grãozinho de arroz-de-festa nas demonstrações contra a ditadura – aquela outra, cujos generais Lula tanto admira – e contra o perigo de uma nova.

Posso garantir: é uma boa sensação.

(A foto é de Epitácio Pessoa/AE. Publico sem o consentimento prévio do colega e da agência, mas acreditando que a causa é justa e meus muitos anos de AE permitem o uso…)

Uns gatos pingados – uma pequena multidão

 Quando estava chegando ao Largo São Francisco, liguei pra Mary no trabalho dela e brinquei: “Tem menos gente do que nos Fora Sarney”.

Os amigos e eu comentamos diversas vezes: eta nós que não sabemos organizar uma manifestação.

Só fiquei sabendo que haveria a manifestação depois de 11 da noite de ontem. Faltando 13 horas para a manifestação. Uma moça que conheci lá, Vera Amatti, foi informada às 10 da manhã, faltando duas horas.

Acho que foi José Gregori que tentou botar os pingos nos is, explicando à pequena multidão que aquilo era apenas o lançamento do manifesto, que não havia sido convocada uma manifestação, que, se tínhamos ali umas 100, 150 pessoas, era porque tinha havido uma convocação apenas telepática.

Pode ser. É a coisa da garrafa pela metade – pode ser vista como meio cheia, ou como meio vazia.

Por um lado, foi bom que, sem que houvesse tempo hábil, sem que houvesse convocação, sem qualquer tipo de incentivo, de organização, sem aparelhamento algum, tenhamos sido umas 150 pessoas ali.

Mas poderia ter tido um pouco de organização, é claro. Falamos muito disso, nas conversas rápidas por ali.

Foi muito bom ter ido. Revi, ainda que rapidamente, um monte de conhecidos, gente boa, alguns que poderiam estar lá no alto, na lista dos grandes nomes: Álfio Beccari, Ângelo Perosa, Antônio Claret, Carlos Marchi, Dora Kramer, Lena Rondino, Luci Molina, Sérgio Rondino, Teresa Cristina Miranda.

Muitos de nós estivemos juntos no ato ecumênico na Catedral da Sé e no enterro de Vladimir Herzog, nos comícios do velho MDB, em todas as manifestações pelas Diretas Já, nas manifestações pelo Fora Collor, nas manifestações pelo Fora Sarney.

Tenho absoluta certeza de que nenhum de nós estará nas manifestações convocadas pelo lulo-petismo contra a imprensa, contra os jornais, os órgãos de TV.

Graças a Deus. Somos de outra turma. A turma que defende democracia, e não governo que quer extinguir oposição. Que defende liberdade de imprensa, e não só blogueiro chapa branca. Que entende que justiça social vem de educação e oportunidades iguais, e não de esmola.

Não posso ter absoluta certeza, é claro. Mas eu poderia apostar com quem quisesse que, se Vlado não tivesse sido morto pela ditadura, estaria na nossa turma.

 A íntegra do Manifesto em Defesa da Democracia

“Em uma democracia, nenhum dos Poderes é soberano.

Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.
Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, os inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático.

É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.
É inaceitável que a militância partidária tenha convertido os órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.

É lamentável que o Presidente esconda no governo que vemos o governo que não vemos, no qual as relações de compadrio e da fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do país, negando-se a qualquer controle.

É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais nem mesmo em fingir honestidade.

É constrangedor que o Presidente da República não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas vinte e quatro horas do dia. Não há ”depois do expediente” para um Chefe de Estado. É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no ”outro” um adversário que deve ser vencido segundo regras da Democracia , mas um inimigo que tem de ser eliminado.

É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.

É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, com o fim da inflação, a democratização do crédito, a expansão da telefonia e outras transformações que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.

É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É um escárnio que o mesmo Presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário.

Cumpre-nos, pois, combater essa visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para rasgar a Constituição e as leis. Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o autoritarismo.

Brasileiros erguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.

Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos.”

Para assinar online o Manifesto, clique aqui.

4 Comentários para “A voz dos 4%”

  1. Tambem faço parte destes 4%, graças a Deus !! Este manifesto foi brilhante, lembrei de meu tempo de secundarista, no inico da decada de 70.

  2. Pois é, Sérgio, tempo vai, tempo vem, a tentação da ditadura sempre bate nos poderosos. E nós lá pra dizer que ditadura nunca mais.

    Nunca mais.

  3. Eu também estava lá! E que mais me tocou foi ver a eterna juventude desses bravos defensores da DEMOCRACIA! Pude apertar a mão de todos eles: Hélio Bicudo, José Gregori, Miguel Reali e Celso Lafer! Foi um sopro de esperança para um pleito que ainda não está decidido!
    Se não der para mudar os rumos dessa eleição, valeu para tomar fôlego e ser oposição de verdade no próximo governo!

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