– Boa tarde, sou Carlos, o assistente social. Vim ajudá-la. Qual foi seu crime?
– Leitão assado.
– É grave.
Carlos sentou-se e puxou seu bloco de notas.
– A que pena você foi condenada?
– Trinta quilos.
* * *
– Boa tarde, sou Carlos, o assistente social. Por que você está aqui?
– Assalto.
– Geladeira ou despensa?
– Geladeira.
– À mão armada?
– Sim, usei uma colher e um prato de sobremesa.
– Você atacou doce ou salgado?
– Os dois.
– Humm… Duplamente qualificado. Muito grave. Está arrependido?
– Não. Se uma torta de morango aparecesse na minha frente eu me vingava nela.
* * *
– Meritíssimo: a ré foi condenada a trinta quilos. Já perdeu quinze. Tem direito a liberdade vigiada.
– Protesto! – esbraveja o promotor. – A ré não teve bom comportamento. Manteve ação delituosa em plena reclusão. Seus parentes traficavam escalopes de saumon frais rôti aux herbes pile para dentro do estabelecimento. Subornavam os guardas.
– Provas, quero provas – grita o advogado de defesa. – Se minha cliente emagreceu quinze quilos, é porque não transgrediu a lei.
– Quinze quilos em quatro meses de regime forçado! Além disso, foi vista fazendo esteira na sala de fitness do diretor.
– Isso é leviandade da acusação. O diretor deixa a sala trancada. Só usa os equipamentos antes das refeições, para abrir o apetite.
O juiz já não ouve nada. Seus olhos estão fixos na grande parede de fundos do tribunal, onde um relógio marca as horas. De repente, o pássaro sai do relógio. Cuco! Cuco!
– Sessão suspensa! – proclama o juiz. Tira do bolso um guardanapo, pendura–o no colarinho e se afasta aos gritos, “hora do lanche, hora do lanche”.
* * *
– Garçom, qual é o menu, hoje?
O garçom olha para o preso, um pouco receoso.
– Desculpe-me, senhor. O senhor deveria saber…
– Não se preocupe, perguntei por perguntar. Eu sei. Estou condenado a grelhadinho de frango com panaché de legumes.
– Felizmente o senhor compreende…
– Mas faço-lhe uma confidência: meu advogado já entrou com pedido de progressão da pena. Bom comportamento. Vou ter benefícios.
– Que bom, senhor. Como ficará?
– Filé baixo e batata souté.
– Sobremesa? – faz o garçom, animando-se. Para sua surpresa, o preso tem uma recaída.
– É isso que me mata. É a morte! Manjar branco, sem calda de ameixa.
* * *
– Doutor, temos um caso de serial killer – disse o diretor. – A nossa instituição é de segurança máxima, mas num caso desses… O senhor acha que há riscos?
O psicólogo não responde. Entra na cela. O diretor o segue.
– Bom dia, sou o doutor Carlos. Se você colaborar, posso reduzir sua pena.
O preso reage inesperadamente:
– O senhor está armado?
– Sim, mas é apenas um sanduíche.
– Cuidado – sussurra o diretor. – Ele pode atacá-lo.
Mas nada acontece. Doutor Carlos vai direto ao assunto.
– Você é um serial killer. Como agia?
– Bem, às segundas eu matava um bife a rolê, terça virado à paulista, quarta feijoada, quinta macarrão ao sugo, sexta peixe com …
– Está bem, está bem – O psicólogo agia rápido. – Teve algum trauma de infância?
– Minha infância foi normal, feijão, arroz, bife e batata.
– Só isso?
– Bem…
Hesita.
– Então?
– Eu conto, doutor. Me abro. Eu… eu fui molestado quando criança.
– Algo grave?
– Sim, me obrigaram a comer verdura e sopa de ervilha.
O diretor faz uma expressão de comiseração. O doutor mantém-se impassível.
– Continue.
– Houve coisas mais graves…
– Sim?
– Fui posto de castigo porque não quis comer salada de chuchu. E cortaram a sobremesa. Era minha predileta, a predileta, doutor. Tarte aux pommes à la creme. À la creme, doutor. Não quis a cenoura, não teve sobremesa. Quando penso nisso, me dá vontade de trucidar uma perna de cordeiro ao ponto com ervas finas. Acabar com ela a dentadas. Roer o osso…
Prudentemente, o diretor acena para os guardas.
* * *
– Pão diet. Meia fatia, sem manteiga.
– Ora – diz a dona do café. – Só isso? A senhora vai ficar com fome. Coma um sanduíche de…
– Psiu – faz a freguesa. Fale baixo, estão me vigiando.
– Perdão?
– Estou em liberdade vigiada. Se sair da linha…
Indica, com os olhos, um homem na calçada, no outro lado da rua.
– Aquele? Como sabe que a está vigiando?
– Olhe os dizeres na camiseta dele…
– Ah, sim. Vigilantes do Peso.
– Foi o que lhe disse.
– Mas aquele homem é gordo.
– É um felizardo. Esse é o seu disfarce.
– Não entendo. E a camiseta com os dizeres?…
– É para percebermos que um agente disfarçado nos segue. Assim não nos atrevemos a violar a lei.
A mulher atrás do balcão tem uma crise de nervos. Na frente da freguesa, comete um atentado. Prepara rapidamente um misto quente salpicado por conserva de pepino e o atira contra o espião.
– Resista a isto, canalha!
O gordo tira do bolso dois hambúrgueres com alface especial, cebola, picles, no novo pão com gergelim.
– Prefiro dos meus, se não se importa.
E abocanha metade com uma mordida.
Nesse momento, cai ao chão, com a mão no peito. O hambúrguer rola pela calçada e some-se por um bueiro. O homem está morto.
A vigiada consegue apenas comentar:
– Que pena, era um hambúrguer tão novo.