O palco está pouco iluminado. No canto direito, Zizi Possi lança a cabeça e os ombros bem para trás – e por um momento tem-se a impressão de que ela está fazendo aquele movimento para aliviar sua tensão. Então começa a cantar, bem baixinho, “My man”, do repertório de Billie Holiday, acompanhada apenas pelo piano acústico e um saxofone. Como o som é baixo, ouvem-se estalidos nas caixas acústicas, e um pouco de microfonia. Pouco depois um holofote central a ilumina, e ela passa a cantar mais alto, com sua voz bonita, sensual e afinada – e depois bem alto, quase gritando, já então acompanhada por todo o conjunto de sete músicos.
Este momento mostra bem várias características de Um minuto além, o show que a cantora está apresentando no Teatro Ruth Escobar, de terça a domingo, até o próximo dia 25 (o texto é de outubro de 1981). Algumas características não podem ser classificadas como defeitos ou qualidades; podem agradar ou desagradar o espectador, dependendo do gosto de cada um.
Algumas são pontos pacíficos. A voz de Zizi Possi é inegavelmente bonita. Os músicos são competentes – com destaque para a guitarra de Liber Gadelha, o baixo elétrico de Ricardo Medeiros e os instrumentos de sopro de Ronaldo Albernaz e Carlos Watkins. O som em geral é bom, o teatro tem boa acústica, mas há pequenos problemas, como a microfonia e os estalidos nas caixas acústicas, especialmente nos momentos em que o volume da música é baixo.
O resto depende, de fato, do gosto do freguês.
O diretor do espetáculo, o premiado diretor de teatro José Possi Neto, irmão de Zizi, quis fazer um show movimentado, cheio de marcações diferentes; um show, de fato, e não simplesmente um recital. Um show que fugisse da monotonia da simples apresentação de várias músicas.
Zizi Possi, por seu lado, se dá bem com esse propósito. É uma cantora que não dispensa recursos teatrais, dramáticos. E o próprio repertório é absolutamente eclético, alternando músicas lentas e rápidas, românticas e debochadas, pessimistas e alegres.
A fórmula deve agradar a muita gente – o público da segunda apresentação, pequeno (havia muitos lugares vagos na platéia) mas interessado, aplaudiu vivamente. Mas é possível que para boa parte dos espectadores a insistência na movimentação, na antimonotonia, resulte cansativa, pelo extremo oposto. De fato, as luzes acendem e apagam em demasia; a cantora anda demais pelo palco, dança, se mexe, remexe, se contorce – e há momentos em que lembra uma contorcionista de circo, ou uma ginasta. A ponto de ficar cansada e tensa, como sugere o seu movimento antes de cantar “My man”.
Há momentos bem fracos. É o caso, por exemplo, da interpretação de Zizi Possi para “Jura Secreta”, de Sueli Costa e Abel Silva, já tão ouvida por vozes tão marcantes quanto as de Fagner e Simone; possivelmente por isso, Zizi optou por mexer na música, fazendo uma divisão rítmica diferente da original – e o resultado não soa bem. Está irreconhecível, também, e muito feia, a sua versão de “My Sweet Lord”, do beatle George Harrison, no encerramento da primeira parte do espetáculo; não funciona direito, também, o recurso utilizado durante esta música, de deixar cada instrumentistas solar durante alguns segundos, interrompendo a mesma frase musical repetida pela cantora.
Mas esses momentos são exceções. A música é bonita, a maior parte do tempo. Zizi Possi e o conjunto estão muito bem em músicas tão diferentes entre si quanto “Não dá mais” (Menescal, Zizi, Coelho e Augusto), “Meio-dia” (Fagner e Clodô), “Ave” (Eduardo Dusek e Cássio), “Seu tipo” (Eduardo Dusek e Luís Carlos Góes) e “Pedaço de mim” (Chico Buarque).
Zizi Possi é uma cantora versátil, sensível, e dona de uma das melhores vozes femininas de tantas que surgiram no Brasil nos últimos anos. Isso fica patente neste show – e, talvez mais do que nele, no disco do qual foi tirada boa parte do repertório aqui apresentado.
Esta resenha foi publicada no Jornal da Tarde em 15/10/1981