Arrigo Barnabé pisou no palco do Teatro Bandeirantes sob vigorosos aplausos. Era o último a se apresentar: antes dele, já haviam sido aplaudidos, pela ordem, Itamar Assumpção e seu conjunto, o grupo Rumo e o Premeditando o Breque. Fazia muito calor, no teatro lotado por cerca de 1.500 pessoas, inclusive por causa das fortes luzes da televisão; apesar da proibição, centenas de pessoas fumavam. O show havia começado pouco depois das nove, e já passava da meia-noite. Mesmo assim, ninguém arredava o pé, à espera do maior ídolo da noite.
Uns 15 minutos depois de iniciado o número de Arrigo, um porteiro do teatro comentava com um colega: “Isso aí é música?” Lá dentro, enquanto diversas pessoas começavam a sair (um espectador, por exemplo, saiu dizendo: “O Arrigo é demais para a minha cabeça”), alguém da platéia berrou: “Toca música!” Algumas pessoas chegaram a ensaiar vaias. E é bom lembrar que a platéia não era conservadora como aquela do Tuca, que vaiou Caetano Veloso em 1968; era uma platéia de jovens que haviam ido ali especialmente para ouvir o som inovador dos quatro conjuntos.
O número de Arrigo, na realidade, era mais um happening, uma declaração de intenções, do que música. Enquanto sua Banda Sabor de Veneno (vários metais, guitarra, bateria) produzia sons distorcidos, atonais, estridentes, dissonantes, Arrigo (sempre em silêncio) e algumas moças cobriam os músicos com folhas de jornal, e as colavam com fita crepe. Cobriam, literalmente, da cabeça aos pés. Ao final, estendeu-se um pano, de um lado a outro do palco, à frente dos músicos. E, nele, Arrigo escreveu: “Não repetir, apesar do bis”. Em seguida, as moças o cobriram também com folhas de jornal. Houve poucos aplausos.
É este violento anticonvencionalismo, essa rebelde teimosia em não repetir o que já caiu no gosto do público (mesmo o público mais aberto a inovações, como o que lotava o teatro), que a TV Bandeirantes mostra hoje (26/12/1981), às 17h30. O programa foi gravado durante os dois shows realizados no Teatro Bandeirantes, na Brigadeiro Luiz Antônio, sexta-feira e sábado passados, dias 18 e 19. Os shows foram feitos para comemorar o encerramento do ano em que – apesar da resistência das rádios – Arrigo, Itamar, o Rumo e o Premeditando o Breque se firmaram como o que de mais novo e renovador está sendo feito na música brasileira.
E, se Arrigo chocou até os seus fãs, o mesmo não aconteceu com os outros grupos. Todos eles foram longa e vivamente aplaudidos; a platéia conhecia suas músicas (a maioria presente nos LPs independentes que todos eles lançaram, de 1980 para cá), cantava junto, acompanhava, ria das piadas, fazia pedidos. Além da ousadia de Arrigo, apenas uma coisa desagradou a platéia, que vaiou e xingou como num campo de futebol: justamente as fortíssimas luzes da televisão. Mas, sem elas, não seria possível exibir, para platéias maiores, a salutar renovação da música brasileira que os quatro conjuntos estão promovendo em São Paulo.
Este texto foi publicado no Jornal da Tarde no dia 26 de dezembro de 1981
2 Comentários para “O show que reuniu a vanguarda paulista da MPB”