Meus dedos e o Admirável Mundo Novo

Meus dedos são antigos. Não estão preparados para entrar no Admirável Mundo Novo.

Tive duas provas disso nos últimos dias.

Uma delas foi minha experiência Gattaca, hoje, no banco.

Deixei passar a data de vencimento de uma conta (uma que não dá pra pôr em débito automático), e então tive que ir ao banco. Entre Bareta, a moça do caixa – uma moça simpaticíssima, solícita, tranquila, que conheço faz tempo – e eu havia uma engenhoquinha, um gadget, treco pequenino, mínimo. Um trocinho preto, de não mais do que 5, 6 centímetros de comprimento. Perguntei o que era, e Bareta explicou que era a maquininha para fazer identificação biométrica.

– “Meu Deus, o Gattaca chegou”, me percebi exclamando. E ainda perguntei se ela tinha visto o filme.

Gentil, educada, ela perguntou se eu já não queria aproveitar e fazer.

Velhinhos tendem a não gostar de novidades, de gadgets recém-chegados, Gattacas, Admiráveis Mundos Novos, e então respondi que faria uma outra hora. Suave, calma, Bareta explicou que com o tempo todos os clientes terão que fazer.

Olhei para trás. Não havia fila; eu não iria atrapalhar a vida de ninguém. E aí concordei.

zzzzzzbiométricoNão sei se essa coisa já começou nos outros bancos, mas a verdade é que até a Justiça Eleitoral já está migrando para a identificação biométrica. Então, por que não?

Aparentemente é fácil. É botar o dedão da mão direita lá na engenhoca, depois de novo, depois o indicador, depois o dedão e o indicador da mão esquerda.

Coisa mais simples do mundo. Diabo, a gente fazia isso quase meio século atrás, na hora de tirar carteira de identidade. Fiz isso em 1968, ao chegar a São Paulo: era só sujar as pontas dos dedos com aquela tinta preta e botar as impressões digitais no papel que os policiais nos apresentavam. Tenho a vaga lembrança de que uma policial segurou a minha mão e fez os movimentos que precisavam ser feitos para que eu pudesse ser o feliz portador de um RG da SSP-SP.

É mais ou menos a mesma coisa – só que agora, no tempo do Gattaca, do Admirável Mundo Novo, não precisa sujar a mão. É só botar o dedo lá, um de cada vez, e pronto, o computador grava.

Não funcionou.

– “Aperte mais o dedo”, instruiu Bareta.

Apertei. Não funcionou.

– “Segure um pouco mais pra cima”, instruiu ela.

Tentei. Não funcionou.

– “Segure firme, com o dedo inteiro”, instruiu Bareta.

Tentei. Não funcionou.

Olhei pro lado, envergonhado. Havia duas outras caixas, não havia filas.

Falei pra Bareta:

– “Não dá. Meus dedos são antigos.”

***

Devo ter levado uns dez minutos, talvez 15, para fazer a identificação biométrica que um garoto de 20 anos levaria dez segundos para fazer.

***

Por uma grande coincidência (ou não), ontem mesmo, um dia antes dessa apavorante experiência no banco, fui contemplado com um iPhone.

Não sou propriamente um portador de tecnofobia. Sequer sou um saudosista da máquina de escrever. Adorava as máquinas de escrever, isso é bem verdade. Era um bom datilógrafo, posso dizer que sou hoje um bom digitador. Não tive trauma algum na transição da Olivetti para o teclado do Atex, aquela coisa que já era pré-histórica quando foi instalada na S. A. O Estado de S. Paulo, lá por 1989. Nem na adaptação para o teclado dos hoje pré-históricos PCs 286.

No PC, me viro razoavelmente bem. Quer saber? Até que bem, sem advérbio para reduzir a definição.

O problema é que tem que ser o meu teclado.

Na Marie Claire, nos frilas na Plano Editorial, na Agência Estado, no Estadão, me dava muito bem com o meu teclado. No meu PC, no meu teclado, digitava com imensa rapidez, com um número bem pequeno de erros. Se tinha que escrever em algum outro teclado, minimamente diferente que fosse, sofria.

Teclado, para meus dedos, tem que ser grande, padrão ABTN, com cedilha, acentos, til.

Digitar nos teclados dos laptops em inglês da Mary, em que para conseguir um cedilha era preciso apertar duas ou três teclas, sempre foi um suplício. Em viagem, quando a única opção que tinha eram os laptops em inglês da Mary, eu sofria como um condenado às galés romanas. Se a viagem durasse algum tempo, verdade que no fim já estava me acostumando – mas os primeiros dias sempre foram terríveis.

Por causa dessa minha dependência do teclado grande, padrão ABTN, nunca soube fazer coisa alguma com os celulares a não ser telefonar e atender às chamadas.

Jamais aprendi a enviar uma mensagem de texto. Torpedo, para mim, ainda é aquela coisa que a gente via nos filmes sobre a Segunda Guerra – aquele troço que afundou o Bismark.

Sempre que eu dizia esse tipo de coisa, Mary e Fernanda olhavam para mim com doses infinitas de paciência, e diziam que, quando eu tivesse um smartphone qualquer, de preferência um iPhone mesmo, tudo se resolveria.

Os smartphones, em especial o iPhone, são à prova de idiotice. Eles são auto-explicáveis, amigáveis.

Elas não chegavam a dizer isso, mas seguramente pensavam. Isso, ou algo parecido.

Será mesmo?

Chegou a hora da prova de fogo.

Sou desde ontem o (feliz?) possuidor de um iPhone. Não que tenha pedido, que tenha querido – mas Mary comprou um novo, e o velho sobrou pra mim.

***

O problema é o teclado.

Ontem tentei. Mas quando um dedo meu se aproxima de uma letra ele encosta em pelo menos três outras. E o teclado parece que escolhe qual daquelas três letras ele acha que eu quis digitar.

Tento escrever a palavra mas. M A S. Quando teclo o S, a maquininha, tão friendly, gracinha, acha que eu teclei o D, e em vez de uma adversativa, mas, tenho diante de mim um mad.

Ô louco!

Meus dedos são gordinhos. As teclas são magrinhas.

Seria possível resolver isso como se o teclado fosse o de um xilofone? Tentei com a tampinha da caneta Bic – o teclado ignora o toque. Tentei com um cotonete – nada.

Tem que ser com o dedo.

Diabo.

Vejo amigos que demoraram bem mais que eu na passagem da Olivetti para o PC mandando mensagens via celular com uma rapidez espantosa.

Será que sou, afinal das contas, portador de tecnofobia em grau avançado e não sabia?

Ou sou idiota mesmo? E não adianta o aparelhinho ser smart se o sujeito diante dele não é?

Quando minha filha era novinha, aí na pré-adolescência, ela me gozava, ao ver minha falta de jeito para coisas manuais, dizendo que o problema era que eu não fiz pré.

Será que é isso?

Acho que o problema é que meus dedos são antigos, e pronto.

***

Acho que vou rever Gattaca. E talvez reler o Admirável Mundo Novo.

Treinar no teclado do iPhone? Bem, talvez semana que vem.

2 de agosto de 2013         

4 Comentários para “Meus dedos e o Admirável Mundo Novo”

  1. Muito bom e gostoso de ler.

    A verdade é que muitos reclamam por terem os dedos antigos, ou gordinhos, celular pequeno não dá conta. Mas logo, logo, você estará usando um com comando vocais, embutido em algum lugar da roupa, ou na pele.

    Abraços

  2. É curioso, a identificação biométrica ainda não chegou a Portugal, embora existam empresas que comercializam os equipamentos e, segundo li, não sejam de esperar grandes novidades nessa matéria pois a crise financeira obriga a evitar tais gastos.
    Também acho os teclados dos telemóveis uma chatice, demoro tempos infindos para escrever uma mensagem, por isso uso-os muito pouco.
    E também vou ver se vejo o Gattaca que nunca vi.

  3. Muito bom, Servaz é inigualável quando publica textos humanos e do seu cotidiano. 50anosdetextos fica livre, leve, solto, dá samba, dá pauta, dá alegria. O compilador certamente tem muito mais graça e leveza que seus compilados, pardais e merdais.
    Seu texto sobre o admirável novo undo só não é melhor porque coloca os mortais acima de sessenta anos na berlinda tecnológica e cibernética. Para nós idosos fica difícil acompanhar as pessoas que usam e abusam de IPods,IPhones,etc… A questão não é dedo gordo, nossos dedos são antigos,e a tecnologia é para pessoas jovens.
    Mas nada como uma antiga cabeça, aqui nesta paragens tenho o prezar de renovar minha autoestima lendo os textos do Vaia, do Valdir, do Brant, do Manuel e de vez em quando do Sérgio.Que falta faz um conto do Jorge Telles. Tudo devidamente lido e comentado pelos assíduos José Luiz de Portugal, Luiz Carlos de Brasília, e eu de São Francisco do Sul, quando não me mandam dormir.
    O texto acima, me faz lembrar que esta semana , minha prima da Inglaterra, também com mais de idade, dedos lisos e mente sã, pediu-me que copiasse uma procuração pois o se teclado não era ABNT, não tinha cedilha, não tinha til, chapeuzinho, agudo ou crase. Assim uma moça vira moca, procuração vira procura cao, daí em diante. Ainda bem que abemos usar e-mails. senão a pobre prima teria que usar uma máquina de escrever jurássica, Remington Rand ou Olivetti leterra 22.
    Treinar em teclado IPhone,nem pensar! Prefiro ler os textos e parar para pensar!

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