A doença que James Dean inventou

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Ele mor­reu ves­tido den­tro de um Pors­che des­feito. Ela mor­reu nua, numa cama de soli­dão. Há qual­quer coisa em comum na morte deles. Sal­va­guar­da­das as epi­só­di­cas dife­ren­ças, mor­re­ram da mesma morte. Aos des­tro­ços do Pors­che de Dean, aos tor­tu­ra­dos vin­cos dos len­çóis de Marilyn, perfuma-os idên­tica angús­tia.

Uma frase de Camus podia servir-lhes de legenda: “São as dúvi­das o que temos de mais íntimo.”

Agora digo eu: James Dean e Marilyn Mon­roe deviam ter fil­mado jun­tos. Não sei muito bem o que é aquilo que James Dean pas­seia em Rebel Without a Cause, esse estar sozi­nho mesmo quando se está acom­pa­nhado, como ele está em todo o filme. Mas sei, por­que se vê, que os bei­jos tris­tes de Nata­lie Wood não che­gam para o sos­se­gar. Será que ele podia, como os meni­nos que brin­cam às escon­di­das, encon­trar coito em Marilyn?

Ah, e afi­nal tal­vez se saiba o que é isso, a doença, que Dean tem no Rebel. Dean sofre de um mal que ele mesmo inven­tou: a ado­les­cên­cia. Inven­tou a ado­les­cên­cia e a sua meta­fí­sica: uma ansi­e­dade inex­pri­mí­vel que veste jeans e T-shirt branca. As pala­vras saem inar­ti­cu­la­das, uma babu­gem de gaguez, mas a intensa con­trac­ção mus­cu­lar que pre­cede cada gesto, cada movi­mento, diz o que não pode ser dito de outra forma. Cada passo de Dean exsuda Angst (des­cul­pem, isto tem de ser dito assim, à bruta). É uma ansi­e­dade que não se sabe donde vem, nem se sabe para onde vai. Nem Kier­ke­ga­ard sabia. É pre­ciso pas­sar­mos uma tarde a ouvir a “Cate­dral Sub­mersa” de Debussy ou, melhor, as por­tas da morte da “Valse Triste” de Sibe­lius, para nos apro­xi­mar­mos do que James Dean sofre em Rebel.

Em 1956, ano de Rebel Without a Cause, já Marilyn tinha 30 anos – Nata­lie Wood só uns ver­dís­si­mos 18.  Nem é tanto a idade: Marilyn ainda há pouco fora tão juve­nil, toda incer­teza e incer­te­zas, uma meia cri­ança, num lin­dís­simo filme esque­cido de Fritz Lang, Clash by Night. Mas se, em vez de Nata­lie Wood, fos­sem de Marilyn os bei­jos que roçam a boca de Dean no Obser­va­tó­rio do Grif­fith Park, o físico de Marilyn, tudo o que nela é redondo, sub­ju­ga­ria Dean.

Marilyn tinha uma aguda cons­ci­ên­cia do seu físico. Não gos­tava das mãos, que lhe pare­ciam gor­das. Tinha medo que as pes­soas lhe olhas­sem para as mãos e tre­me­ria se tivesse de aca­ri­ciar em grande plano a cara, os cabe­los de Dean. Mas gos­tava e muito de se des­pir e dan­çar nua, em frente ao espe­lho, para ver, con­fes­sou, as pró­prias mamas a sal­tar. A redonda lumi­nes­cên­cia sal­ti­tante de Marilyn sufo­ca­ria a ado­les­cên­cia desam­pa­rada de Dean. A per­so­na­gem dele é a de um tipo inde­feso, fata­lista, vivendo com vago des­con­forto as regras soci­ais, olhando com negli­gente desi­lu­são o que pode vir da escola e dos pais. Uma angús­tia de luxo que as mamas de Marilyn tor­na­riam irrisória.  

zzzzzzzmarilyn

 

Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia. 

Rebel Without a Cause no Brasil é Juventude Transviada.

Clash by Night é Só a Mulher Peca.

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