Toda quarta-feira o menino descia de sua casa, lá no alto, ao lado da Grupiara, em direção ao centro, onde se localizava a maioria do comércio. A Grupiara é um monte, em frente à praça de esportes, onde se colhiam os mal cheirosos frutos de jatobá que caíam de árvores enormes.
Ali, certa vez, influenciados pelos filmes de bangue-bangue a que assistiam nos fins de semana, ele e sua turma tinham amarrado um homem em um daqueles jatobás. Cantaram e dançaram em torno do adulto, apavorado com aquela meninada maluca que se fazia de índio. Solto, ele saiu correndo morro abaixo, sem olhar para trás.
Mas o menino, nesse momento, está apenas se dirigindo até a única loja que vende jornais e revistas na cidade. É o dia em que chega a revista O Cruzeiro, veículo líder em todo o território brasileiro. O dono sempre guardava um exemplar para os seus pais. Com a revista nas mãos, ele viu uma novidade na estante. Era uma revista em quadrinhos diferente dos gibis que estava acostumado a ler. Era sobre uma turma de meninas e meninos, suas brincadeiras, brigas, jogos e namoricos. O primeiro exemplar de Luluzinha publicado no país. Voltou apressadamente para casa, pois tinha pressa em conhecer o conteúdo do que comprara.
Era um tempo em que as notícias chegavam pelas ondas da Rádio Nacional. O mundo e o Brasil eram narrados pelo Repórter Esso. A música popular brasileira, com sua diversidade, estourava nos programas de auditório e ficávamos imaginando como seria o rosto de Cauby, Marlene, Emilinha, Nora Ney e tantos outros artistas. Cantávamos junto com eles e, em silêncio, ouvíamos as aventuras do Anjo e do Jerônimo (“quem passar pelo sertão vai ouvir alguém falar no herói dessa canção, o Jerônimo lutador”).
Mas o que me faz lembrar desse pequeno fato de minha infância? Certamente contribuiu minha ida recente a Diamantina, chão de terra e pedra que pisei por alguns anos. O que foi determinante foi ter passado a vista sobre uma notícia num dos jornais nacionais. Lá se fala da intenção da editora que detém os direitos da Luluzinha, e também do Bolinha França, em modernizar aquelas histórias ingênuas, trazer para a atualidade as aventuras e os modos da turma criada há mais de cinquenta anos.
Tem cabimento, dará certo? Não vejo, com o desenvolvimento das comunicações e das relações entre as pessoas no mundo de hoje, com todas as modificações pelas quais passamos nas últimas décadas, que interesse pode ter a meninada de 2011 por aquelas historietas simples e datadas. Assim pensando, declaro que as turmas da Luluzinha e do Bolinha pertencem, exclusivamente, aos que as conheceram nos tempos idos, no antigamente do antigamente.
Não há modernização possível, não consigo ver diálogo com as gerações atuais. O clube está fechado para elas. Tenho dito.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em 4/2011.