Prosaicamente, informo que são vinte para as dez da noite deste 25 de janeiro de 1984. É isso o que marca o relógio, com seu mostrador redondo e grande, no fundo (antes, no começo) da redação. No Congresso, em Brasília, está sendo encaminhada, neste momento, a votação da emenda das Diretas-Já, que estabelece eleições diretas para presidente da República.
Há pouco a censura afrouxou alguma coisa e permitiu às emissoras de rádio e televisão que transmitam comedidos boletins com notícias de Brasília. O segundo deles, vindo pelo radinho portátil aqui do meu lado, ligado na Rádio Eldorado, dizia que o cacique-deputado Juruna estava falando da tribuna.
A redação não está muito agitada, apesar da importância deste momento, porque o grosso dos acontecimentos passa-se em Brasília. Mas o fechamento da edição que irá às bancas amanhã – e que a censura às rádios e tevês tornou mais atraentes – promoveu boas mudanças de pessoal.
Um mesão foi montado junto à mesa da Editoria de Política. Nele sentaram-se os editores recrutados em outras editorias: o Sandro Vaia, da Economia; Anélio Barreto, da Internacional; Sérgio Vaz, sub-editor da Geral; e o próprio editor-chefe Fernando Mitre.
O mesão, na verdade, não acomoda mais do que quatro pessoas. São as mesmas quatro mesas que, como módulos, formam grupos de mesas pela redação. O conceito de mesão deve-se ao fato de reunir vários editores. Mas, como não cabem todos, ainda há o Ari Schneider, na Geral, e, numa outra mesa, junto à Editoria de Política, o Kleber de Almeida.
O Mitre é quem vai decidir e desenhar a primeira página. Nestes últimos dias, ele tem feito primeiras páginas notáveis. Uma delas uniu a primeira e a última páginas, numa imensa foto do muito mais de um milhão de pessoas que lotou o Vale do Anhangabaú, em manifestações pelas Diretas, depois da passeata iniciada na Praça da Sé. Essa página ganhou um prêmio. Por isso, para amanhã, espera-se uma grande primeira página.
Estou sozinho aqui no conjunto de mesas que forma um semicírculo, e onde sentam-se o pauteiro e chefe de Reportagem da Geral, Elói Gertel, e, à noite, o Ari e o Sérgio Vaz (Servaz) e algum copy-desk. Na verdade, agora há um copy novo, que não conheço, trabalhando lá na ponta da ferradura. Os outros copies da Geral ocupam o conjunto de mesas em frente a estas, como sempre. Estão fechando a única página que hoje nos coube, a nós da Geral, a página Dois. Nesta página são colocadas notícias menores, em importância e tamanho.
Estou aqui, agora, porque sou o pauteiro e chefe de reportagem interino da Geral. Deixo a reportagem e assumo sempre que o Elói folga, sai de férias – ou quando ele próprio vai apoiar outra editoria, como aconteceu com a de Esportes, na última Copa do Mundo.
Para o trabalho de hoje dividimos os turnos. O Elói ficou de manhã, terminou a pauta que ambos começáramos a definir ontem (com a ajuda do Randáu Marques, nosso especialista em ecologia), pôs os repórteres na rua e comandou.
Eu cheguei pelo meio da tarde, fui pegando a coisa e quando o Elói saiu, no começo da noite (a caminho do estádio, para ver o jogo do Corinthians), fiquei no comando. Enquanto escrevo isso, chegou da rua a Vera Magyar, emprestada pela editoria de Variedades, que estava cobrindo uma passeata de alunos da PUC, da USP e até do Mackenzie em direção à Praça da Sé.
O fotógrafo Geraldo Guimarães telefonou dizendo que despachou três filmes pelo motorista do jornal. O Fausto Macedo, que cobre polícia, ligou atendendo ao meu chamado pelo bip. Ele cobriu a intimidação a jornaleiros, por parte de um grupo não identificado, para que recolhessem as edições do JT e do Estado. Fausto explicou o que mandaria.
Também chegou o Antonio Silvio Tozzi (Tonhão), que cobria a Praça da Sé, onde muita gente se concentra à frente de um “placar pelas Diretas”. Atrás dele veio um foca, Cláudio, que está estagiando. Tonhão foi ao mesão e pediu espaço para 80 linhas. Deram-lhe para apenas 50, porque ele é um dos nove repórteres pautados para cobrir a praça das nove da manhã de hoje até às oito da manhã de amanhã.
A Rádio Eldorado, em vista da censura, montou equipamento numa mesa da redação, entre nós da Geral, a Internacional e a Variedades. O Adhemar Altieri, editor-chefe, fala ali e eu ouço aqui, no radinho em que faço uma escuta. Agora, vinte e cinco para as onze, ele diz ter chegado a informação de que a votação da emenda começou.
O nosso esquema, aqui na cidade, é o seguinte: a votação deve terminar perto da meia-noite e ninguém pode afirmar com que resultado. O mais provável é que o PDS, apesar de seu grupo pró-Diretas, vote maciçamente contra. E, assim, a emenda não seja aprovada. O que acontecerá a partir de agora (justamente a hora em que reforçamos a cobertura, na Sé)? Se a emenda for aprovada, as milhares de pessoas que estão na praça, e, mais dispersas, em outros pontos da cidade – do centro e dos bairros – acordarão a cidade num alegre carnaval. Mas, o pior: e se não for aprovada?
As pessoas começarão por quebrar logo o imenso placar das Diretas e sairá um quebra-quebra pela cidade? Irão embora simplesmente tristes? Vão acabar a noite num bar? É por isso que a Rosa Bastos e o Sérgio Poroger (Poró) estão agora, onze e cinco, na praça. E o Randáu e a Marli Gonçalves (Marli Go), bem aqui à minha frente, preparando-se para sair.
Resolvi o seguinte: como a votação já começou (havia uma forte possibilidade de que isso só se desse madrugada adentro), a Rosa e o Poró cobrem até o fim. A reação, os aplausos e vaias do povo a cada nome de congressista, e seu voto, anunciado pelos alto-falantes.
A censura produziu também isso: políticos, falando por telefone com Brasília, transmitem a votação. Portanto, os dois cobrem até o fim. E voltam à redação, para começar a escrever. Randáu e Marli cobrem o que acontecer depois.
Nestes momentos, há um grupo muito numeroso de colegas em volta do Adhemar e da aparelhagem da Eldorado. Um advogado da rádio está tentando obter do Dentel autorização para noticiar mais flashes diretos. Mas isso parece muito difícil. E, enquanto nada se resolve, o radinho sobre a mesa, aqui ao meu lado, continua transmitindo música. Agora é um suave piano, contrapondo seus acordes ao metralhar das máquinas de escrever.
Notícia, nada. A esforçada Rita di Biaggio, nossa repórter, vai estar na Praça da Sé, com fotógrafo, às quatro da manhã. Para o caso de haver reações ao resultado da votação da emenda. Às sete estará aqui o Marcus Vinicius Gasques, às oito a Marinês Campos.
Eles já vão encontrar o Elói aqui. Hoje os dois trabalharam cedo, para bater matéria logo, ir para casa. E terem condições de enfrentar o diabo, se for necessário, amanhã logo cedo. Durante o dia, de acordo com o que for acontecendo, todos nós teremos nossa cota.
Os repórteres serão chamados em casa, se preciso, ou vão pegando suas pautas, à medida que chegarem. Foi o que fez, esta tarde, a Regina Helena Teixeira. Ela e o Pira, emprestado da Economia, correram atrás de informações sobre grandes movimentações em bairros distantes, que afinal não aconteceram. O centro de tudo, mesmo – e pelo menos por hoje –, é Brasília.
A Eldorado não conseguiu liberar seu noticiário. As informações estão chegando à mesa do Adhemar, praticamente da mesma maneira que na Sé (e na Candelária, no Rio, e outras praças onde há placares, pelo País): um repórter ao telefone em Brasília, o Adhemar deste lado da linha. Às onze e meia a contagem era: 45 sim, 19 não, 29 ausentes.
O Adhemar vai falando o nome do deputado que votou, e o Saul Galvão, nosso crítico de restaurantes e vinhos (ex-copy da Internacional e pauteiro da Política), vai anotando numa última página do JT que saiu hoje. Criada pelo Mitre, ela é também um painel: contém o nome de todos os deputados e senadores, para o leitor poder colocar sim e não à frente de cada um. Tal como o Saul está fazendo.
A Lúcia Carneiro, mulher do Anélio, que é copy na Economia, está com uma flor amarela no cabelo. Há muita gente de blusa, ou com laços, fitas, adereços da “cor das Diretas”. Um grupo menor do que aquele em redor do Adhemar está à frente de um televisor, bem no meio da redação. Mas as notícias contam apenas como estão a Sé e outras praças, as vigílias cívicas em Câmaras e Assembléias estaduais (em São Paulo, com muito pouco movimento).
E, naturalmente, mostram-se trechos do jogo do Corinthians, que afinal enfrentou o Atlético do Paraná, venceu por dois a zero e classificou-se para disputas num torneio nacional. O Elói telefonou há pouco, sublimado. Pensei por um momento, mas achei bobagem, que apesar de tudo ele achou a vitória do Corinthians mais importante do que o destino das Diretas.
Telefona a Rita. Como mora longe, está no apartamento da Marli, na região da Rua Augusta. Quer saber novidades, passo-lhe o resultado parcial, das cinco para meia-noite: 78 a favor, 24 contra, 49 ausentes. Rita diz que provavelmente não vai conseguir dormir. Está muito excitada. Pondero que ela deve tentar dormir, senão vai se cansar muito no trabalho, logo mais. Ela diz que sim, mas insiste: não vai conseguir dormir.
Lima, contínuo, encosta na mesinha onde há duas garrafas térmicas, grandes, de café: uma, amarela, sem açúcar; outra, laranja, adoçado. Lima serve-se da garrafa amarela. Mauro Marcelo, copy da Geral, é chamado a todo tempo pelo pessoal do mesão, para tocar matéria. Ele ora está esperando alguma coisa na tevê, ora junto ao equipamento do Adhemar.
Com o Adhemar há muita gente, também, porque junto dele estão o Miguel Jorge, editor-chefe do Estadão, e um grupo de repórteres do chamado co-irmão, acompanhando os números da votação. O Laerte Fernandes, editor-chefe do Jornal da Tarde para pauta, que chegou cedo, também ainda não foi embora. Circula pela redação, bate um papo ou outro.
Durval Braga do Amaral, copy da Geral e sub-editor interino, toca a página dois: pouco sai de sua cadeira. Ali vai o Ivan Ângelo, secretário de redação. Veio da mesa do Adhemar, parou no mesão, onde Mitre fuma seu cachimbo, ao lado do Ruyzito Mesquita.
Rodrigo Mesquita, que tinha emprestado o radinho, acabou levando-o. É que eu tinha dado uma longa circulada pela redação, o radinho ficara só. E não seria nada difícil que alguém o guardasse como souvenir, já que era um radinho com o nome Eldorado.
Agora o relógio da redação marca meia-noite e vinte. Chega Percival de Souza, repórter-policial, para bater matéria sobre como foi o dia de Michel Temer, secretário da Segurança. “O que é isso aí?”, espanta-se. “É o equipamento da Eldorado”, explico. “Ah”, ele faz e vai dar uma espiada. Depois encosta no café. Pega o da garrafa cor de laranja.
Marcos Faerman (Marcão) está há muito tempo sentado, creio que fazendo copy para a Política. Sentado à mesa do Ruyzito. Agora, lê um jornal. Rodrigo está com cara de sono, mãos entrelaçadas sobre a cabeça, numa cadeira encostada ao mesão.
Marcão aproxima-se de Percival, que bate à máquina. Marcão tem uma maçã na mão e diz a Perci: “Quer dividir comigo esta rubra maçã?”. Perci deve estar com fome, porque aceita “só um pedacinho”. “Espere, devo ter aí uma banana também”, informa Marcão. Afasta-se, e logo depois vejo Percival passar à minha frente comendo uma banana.
Verinha Cecília Dantas, repórter da Política, comenta comigo o trabalho que fez, à tarde, na Assembléia. O que havia de boatos! São Paulo estava sob intervenção, ou sob estado de emergência…
Ari está aqui, conversando com os copies e comigo. “Tudo fechado lá?”, pergunta o copy novo, sobre o fechamento da edição feito pelo mesão. “É, agora só falta aquilo que ainda não aconteceu”, responde Ari. Uma hora.
O cansaço, o rumo que a votação está tomando, agora parece claro que as Diretas não passam; a excitação e a trabalheira dos últimos dias, das últimas semanas, das coberturas e fechamentos de grandes acontecimentos, como os comícios, dão ao pessoal um certo ar de desânimo.
Na mesa da Eldorado, um grande bolo de gente, firme – mas com esse ar de desânimo. Um rádio está sempre ligado, transmitindo a programação da emissora e servindo de retorno para o Adhemar. Agora há pouco, um piano clássico era um fundo imperceptível, enquanto Adhemar cantava cada voto do Congresso, e Saul, agora também ajudado pelo Fernão Mesquita, anotava na última página do JT. Vou tomar um cafezinho, da garrafa amarela.
Elói telefona, são uma e quinze, para dizer que encontrou Rosa e Poró e disse para ficarem até o fim da primeira votação. E contou uma coisa surpreendente: o povo (muitos jovens, estudantes) ainda não tinha percebido que a emenda Dante de Oliveira estava derrotada. “Eles ainda estão entusiasmados, torcendo muito”, disse o Elói. Contou que foi uma grande vaia, gritaria, urro, quando citaram o nome do ex-governador e agora deputado Paulo Salim Maluf, com seu não.
Servaz (Sérgio Vaz) vem até a mesa em que estou. Pergunto se já se tem a obra de arte do Mitre. Servaz rabisca rapidamente numa lauda como será: o logotipo do jornal, a página toda negra, e, embaixo, uma pequena legenda explicando, entre parênteses, algo assim: “Votaram contra você”.
Mas noto, na mesa do Anélio, todo o pessoal do mesão. Mitre e os editores, mais os rapazes Mesquita. Jeito de apreensivos. Vem a informação: Ruy Mesquita, o diretor, não está querendo aprovar a primeira página do Mitre. Acha que ela poderá transmitir uma imagem demasiadamente negativa. Ao telefone, Mitre, depois Rodrigo, tentam convencer Ruy.
Ari vem me informar que mandou bipar alguém lá da Sé. Se a página do Mitre não sair mesmo, vão precisar de uma foto muito boa, de uma pessoa desolada, chorando, ou amargurada – uma foto que exprima o sentimento do povo pelo mau destino da emenda das Diretas-Já. De repente, e são uma e trinta e cinco, Mitre e os outros exclamam, alegres, batem palmas. Ruy Mesquita aprovou a página.
Telefona o Randáu, da praça. “Bipou?”. Sim. Explico a foto encomendada pelo Ari, ainda ouço foguetes espocando, descubro que ali o povo ainda não percebeu o que aconteceu. Mantenho as instruções sobre a foto, apesar de já desnecessária para a primeira página. É que (me dissera Ari) ela pode ir muito bem dentro do jornal.
Randáu diz que o Luiz Gevaerd, fotógrafo, está ali no palanque. Vai avisá-lo. Tentará também achar o Geraldo Guimarães, que estava por ali com o Elói (e eu dissera ao Elói que devia ir embora, para agüentar a barra logo mais). Randáu está com terríveis presságios: vai haver quebra-quebra, o povo vai sair da praça quebrando, os metalúrgicos… Se isso acontecer (ele sabe) estamos preparados (afinal, Randáu é uma peça importante no esquema). Mas o Randáu sempre achou, nessas ocasiões, que o pau ia quebrar…
Servaz come um sanduíche. Ivan fuma seu cachimbo. Fotos e mais fotos sobre o mesão. Agora que o pessoal do Esporte, que também estava fechando tarde por causa do jogo, se foi (ou acabou de trabalhar e está circulando), só fica mesmo, em seus lugares, a equipe de fechamento das Diretas. E continua o bolo em torno da mesa do Adhemar, que, já há muito tempo está transmitindo resultados parciais chegados à Eldorado.
Quantos motoristas posso dispensar?, quer saber o Jorge, do Tráfego. Têm cinco aqui no jornal, três na Sé. Quebra o pau ou não, avalio. Bem, melhor deixar pelo menos um aqui e os da Sé. O copy novo vem me dizer, às duas e dois: “Acabou. Faltaram apenas 22 votos para que a emenda fosse aprovada”. A rodinha em torno do Adhemar se desfaz. Rostos verdadeiramente desolados – demonstrando ainda mais cansaço. Vinte e dois, repete o copy novo. Ele se chama Júlio.
Duas e cinco. A prova da página do Mitre chega, trazida pelo Guido, da secretaria gráfica. Gente em volta. Mitre mede junto a uma primeira página do jornal de hoje, para que o corte em cima e em baixo saia como ele quer. Rabiscam-se margens, alto e baixo.
Caras de decepção, uma de raiva, andam pela redação. Alguém diz “cachaça”, talvez referindo-se ao apelido de uma pessoa. Ivan Ângelo pega a palavra no ar: “É, cachaça já é uma boa palavra de ordem”. E apanha um meio garrafão de pinga, que está sobre o carpete, ao lado de uma das mesas da política. Toma uma dose, num dos copinhos de plástico do café.
Adhemar, de muletas, com um pé engessado, dá um breve passeio pela redação, veste um suéter e se vai. Sobre a mesa que ocupava não há mais nada. O equipamento foi retirado. A Eldorado já saiu do ar.
Mudei para o mesão, porque agora meu telefone já quase não toca e o centro da redação é o mesão. Isto é, fiquei por ali, explicando ao Servaz que as matérias da Rosa e do Poró eram quentes – e as anteriores, da Sé, se fosse preciso seriam reduzidas.
Vi a prova da primeira página. Achei que a legenda (negociada com Ruy Mesquita em troca da liberação da página) era muito amena: “O País inteiro está decepcionado. Mas há um caminho: a negociação”. Entrei com uma sugestão: darmos apenas a última parte da legenda, “Mas há um caminho: a negociação”. A imensa tarja preta que era a primeira página já explicava por si a primeira parte da legenda.
Mas o Mitre explicou que “na França essa seria uma excelente idéia”, mas aqui a primeira parte da legenda era necessária, para funcionar “como uma transição” para a segunda parte. Outros colegas deram mais alguns palpites, mas a página estava pronta e decidida.
Logo depois, sentado à mesa do Ivan, Mitre (que deixara o paletó em sua própria mesa, onde não estivera o tempo todo) bateu o título para a última página com o placar: “Os que votaram contra você”, letras brancas sob fundo preto. Uma linha sob o título: “Ou se abstiveram, ou não compareceram. (É a mesma coisa.)”
Na mesa do Laerte, que afinal se fora, Saul, César Camarinho, chefe da diagramação, e Guido, sob o olhar do contínuo Almir “Tostão”, prepararam o placar (quem votou sim, quem não), coisa trabalhosa e que exigiu muito empenho.
Mas Rosa e Poró chegam, são duas e meia passadas. Vêm logo contando que, na praça, o povo estava chorando abraçado, queimava bandeiras e faixas, numa decepção, frustração e revolta gerais. Quantas linhas? Contas feitas, entre Anélio e Ari: 60 linhas. Rosa e Poró estão a dois metros de mim, batendo “a quatro mãos”. Rosa é quem bate o texto criado por ambos.
A redação tem agora pouca gente. Algumas rodinhas, como a dos copies da Economia, emprestados, discutem os fatos. Marcão pagou guaraná e sanduíches para uma mesa de copies da Política, buscados na lanchonete no sétimo andar – um acima da redação.
Randáu telefonou para o Ari: parece que está tudo calmo, mas ele não acha nada difícil que haja qualquer coisa, vai dar um tempo. Então, dispensei o motorista reserva que estava dormitando à uma das mesas da Geral.
A historinha por trás do texto
Valdir Sanches me conta em mensagem que, procurando uns escritos, em casa, deu com um texto do qual se esquecera inteiramente: “É um relato que fui fazendo do que acontecia na redação do JT na noite de 25 de janeiro de 1984” – dez laudas batidas à máquina, nas costas.
Cheio de cuidados, disse que seria possível fazer cortes e ajustes. Ficou preocupado com a menção à cachaça. Talvez seja bom explicar que havia cachaça na redação porque, às sextas-feiras, depois do fechamento, fazíamos o que chamávamos de Calçadão – bebia-se, comiam-se salgadinhos, conversava-se, ria-se muito. O Jornal da Tarde não circulava aos domingos – aos sábados havia apenas um plantão.
Nada de cortes ou ajustes – é uma beleza de texto, como tudo o que Valdir faz, um maravilhoso relato.
Sérgio Vaz, novembro de 2010
Valdir, nem Gay Talese faria melhor. Parabéns, meu caro amigo
Nossa! Que delícia! Servaz, vou levar pro meu blog também. Só tem um detalhezinho, pelo menos no que me concerne, que nosso Valdir talvez não tenha anotado à época. Eu estava na Praça da Sé. Como estávamos proibidos de levar a votação ao ar, pela Eldorado, pra quem eu também fazia a cobertura, lembro-me bem de ter me instalado em um orelhão da praça. Não lembro as abóboras que transmiti, falando sobre outro assunto, mas dando chance para que nossos ouvintes pudessem acompanhar a votação que era transmitida voto a voto. Assim pudemos acompanhar os instantes finais, até que nos descobrissem e tirassem do ar, acho que minutos antes da ducha de água fria que tomamos, ao ver rejeitada a emenda das Diretas-Já! Que orgulho tenho de ter trabalhado nessa equipe! Viva! Claro que vamos nos ver agora dia 27, em nosso almoço anual, não? Chama todo mundo que puder encontrar! Cadê a Rita? E a Rosa? Valdir vai, né? Você também vai, né? VAMOS MATAR AS SAUDADES DESSE TEMPO DO BOM JORNALISMO, e que era feito com tanto carinho por todos nós. Beijão da Marli Gonçalves
Tá ficando melhor ainda. Com esses novos detalhes que você conta, Marli, o quadro de como foi aquele dia vai ficando ainda mais rico.
Que bom que você vai levar o texto também para o seu blog (http://marligo.wordpress.com/).
Grande abraço.
Sérgio
Caríssimos, esse relato é uma aula de história e jornalismo. Devia virar aula nas faculdades do país que andam carecendo de pés no chão… Adorei sua iniciativa de postar aqui, Servaz. Saudades dessa turma toda!
Olá, Liana! Sua mensagem me deixa muito feliz. Muito legal saber que você leu o texto do Valdir e gostou.
Um grande abraço.
Sérgio
Bom demais da conta. Da lavra de Valdir Sanches, o céu não é o limite. Parabéns! Li esse relato histórico para a imprensa e a política nacional. Lembrei-me dos deputados fujões, dos presentes, dos que rechaçaram a emenda e dos que “votaram sim, pelo filho, pela mãe, pela pátria”. Consegui enxergar seres humanos escrevendo, ora nervosos, alegres, ou angustiados, olhando para o texto, as fotos, e para o relógio do JT. Emocionante.
que alegria e que reminiscências este texto do valdir provoca! era colega dele, sem que ele soubesse, do lado de lá do JT: eu trabalhava na inter do Estadão, e todos tínhamos inveja do JT, que não apenas cobria, havia se engajado na campanha das diretas, enquanto o estadão se mantinha a distância. no dia da votação, muitos da inter fomos, depois do fechamento, à praça da sé para acompanhar a votação. ficamos até o final,perplexos com o resultado da votação. no largo do são francisco, um grupo de manifestantes exigia a volta do estado de direito. paramos em algum lugar próximo ao vale do anhamgabaú para afogar as mágoas num copo de cerveja (aviso ao copy: é melhor usar o plural) e nos emocionamos quando o entregador de jornais jogou uma pilha de jts para o dono de uma banca que esperava a entrega do dia. a capa inteiramente preta era a expressão de nossos sentimentos.
Caros Montezuma e Pedriali,
As mensagens de vocês, assim como as do Melchíades, da Marli, da Liana, me deixam com uma grande alegria por ter criado (seguindo uma idéia da Mary, minha mulher) este site para textos meus e dos amigos.
Só por ter publicado esse texto do Valdir já teria valido a pena.
Um abraço.
Sérgio
Servaz, realmente, Valdir Sanches se superou. Caho que o undeground ficou melhor que a matéria principal, para mitigar a frustra17o de todos nós com a votação brochantes de nossos ilustrs parlamentares. Valeu ler esta peça de jornalimso ao vivo. Ah, que saudades deste tempo. Parece que não é só a MPB que piorou o jornalismo também.
Servaz,
Trinta anos depois, eis que tomo conhecimento desse texto do ótimo Valdir Sanches e me vejo novamente naquela redação do Jornal da Tarde. Como pulsava aquela redação!
Como nos jogávamos de corpo e alma nos grandes assuntos.
Dois anos antes havia sido a Copa do Mundo da Espanha que reunira grandes editores, redatores, repórteres e pauteiros trabalhando comigo no Esporte numa belíssima cobertura que fizemos.
A gente, realmente, se entregava.
Dá alegria ter participado desse momento histórico do jornalismo brasileiro.
Nós fizemos história com o JT.
Foi uma revolução de modernismo no jornalismo brasileiro.
Pena que quando o JT, que se reinventava a cada dia, precisou se reinventar, de se modernizar, não teve profissionais à altura da façanha.
Uma pena.
Abraços,
Mário Marinho
Você está certíssimo em tudo o que disse, grande Marinho!
Assino embaixo!
Um grande abraço!
Sérgio
Em 1084, ainda engatinhando no jornalismo e num jornal de extrema direita, na época, nem pude demonstrar minha tristeza com o resultado da votação.
Passados 40 anos, só hoje vi uma parte da história da profissão que escolhi seguir, num tempo em que se fazia jornalismo com garra, coragem, suor e horas infindáveis de trabalho de apuração, de dedicação. A notícia era a paixão que movia todos nós. Não temos mais a coragem e a criatividade do JT nem nada semelhante. Não temos mais a apuração nem a ida diária às ruas. Não temos mais nada dos tempos áureos do jornalismo. O texto – que encontrei por acaso, procurando pela Rosa Bastos – é uma aula que deveria ser ministrada em toda faculdade de Jornalismo. É… Esqueci que também não temos mais a obrigatoriedade do diploma (não que um papel faça a diferença, mas já ajudaria muito).
Só uma correção no meu comentário: o ano era 1984, não como constou.