Com o revólver no coldre

“O ideólogo não deseja conhecer a verdade, senão conhecer o seu sistema de crenças, e abolir, espiritualmente, já que não pode fazer nada melhor, a todos os que não acreditam nas
mesmas coisas que ele”.
Jean François Revel

 Conta-se que os advogados do PT deram um download errado e inscreveram na Justiça Eleitoral um programa de governo da candidata Dilma Roussef que previa, entre outras coisas, vejam só, o controle social da mídia nos moldes sugeridos pela Confecom – a Conferência de Comunicação promovida pelo governo e os “movimentos sociais”.

Algumas horas depois, quando a imprensa online já repercutia a notícia, os advogados, pressurosos, correram para retirar o programa, e alguns minutos antes do encerramento do prazo, o substituíram por outro, onde o intervencionismo e o dirigismo que obcecam o PT aparecem mitigados.

Salvos pelo gongo? A articulada rede informativa da candidatura Dilma nos fez saber que ela ficou “muito irritada” com o erro. Eles registraram o programa do PT e não o programa de governo da candidata, que, segundo eles também nos fizeram saber, não concorda com tudo que o partido propõe.

Ficamos sem saber se foi um erro de verdade ou apenas uma jogada ensaiada, e ficamos também sem saber a verdadeira opinião da candidata sobre temas tão delicados como os que envolvem a liberdade de expressão.

A obsessão com o controle da informação – qualquer tipo de controle, o que der pra fazer, o que conseguirem implantar – é uma das cláusulas pétreas da ala ideológica do PT. Sempre que há uma chance, a obsessão ressurge.

É como a velha fábula do escorpião e da tartaruga. É da natureza deles achar que a melhor maneira de fazer o mundo progredir é interferir na vida dos outros, decidir o que é melhor para todos, dizer às pessoas onde está o bem e onde está o mal, porque, afinal de contas, o livre arbítrio é apenas uma ilusão de classe.

No episódio do download do programa errado, eles conseguiram ressuscitar até a campeã de suas idéias liberticidas, que é a criação de um Conselho Federal de Jornalismo, para “fiscalizar as atividades dos jornalistas e dos meios de comunicação”.

Não é o caso de discutir detalhadamente num artigo breve o que há de anti-democrático e de dirigista nas deliberações e sugestões da Confecom, das quais o PT se apropriou – e não por acaso, uma vez que os “movimentos sociais” que as elaboraram, em parceria com eminências pardas do próprio governo, são, na maioria das vezes, a face atuante do partido na atividade extra-parlamentar.

Já está mais ou menos evidente que o PT joga com essa ambigüidade para manter sob controle a sua própria tropa: ao mesmo tempo em que pratica um governo convencional e conservador, respeitando todos os dogmas do mercado (pode discursar contra eles, mas os pratica sem vacilar), abre, aqui e ali, as válvulas de pressão onde o discurso radical pode exercer o seu papel de aliviar tensões ideológicas, desde que não saia do nível de discurso.

O “controle social” da mídia está sempre ali, pendurado no coldre, ao alcance da mão. Como um revólver na cintura de Henry Fonda, pode ser sacado a qualquer momento. Até agora, não passou de exercício de recreio para os instintos radicais dos escorpiões do PT. Mas o sonho deles é que um dia possam sacá-lo para valer.

A candidata do partido concorda com isso? Não espere essa resposta, nunca a teremos.

9/7/2010.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat.

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