Quando o corpo flácido, balofo, inchado, corroído por drogas e decadência, caiu no chão acarpetado do banheiro da mansão de 18 cômodos, há exatos cinco anos (ou seja, no dia 16 de agosto de 1977), Elvis Presley já estava, na verdade, morto há um bom tempo. Misericordiosa morte final – e extremamente lucrativa. Morto, Elvis Presley vendeu ainda mais discos do que nos primeiros anos de fama e glória, na época em que era jovem, bonito, sensual, voz maravilhosa, possante, forte, negra, para desespero dos mais velhos, dos conservadores, das ligas de decência, e para o absoluto prazer de milhões e milhões de jovens em todo o mundo.
“Elvis Presley é mais popular do que jamais foi quando vivo”, escreveu a revista US Magazine, em 1979, dois anos após a sua morte. Poderia ter escrito a mesma frase hoje. Ela certamente será correta daqui a cinco anos. Ou dez.
A indústria Elvis Presley é poderosa, e não pára de progredir. Já se escreveram pelo menos 14 livros sobre ele; ex-mulheres, ex-guarda-costas, conhecidos, parentes, amigos, críticos, jornalistas, estudiosos, dezenas de pessoas já ajudaram a dissecar sua infância, sua carreira, sua obra, seus vícios, suas manias, seus costumes sexuais, tudo. Os direitos de vários desses livros foram comprados por Hollywood, o que garante que os cinemas de todo o mundo e a televisão serão regularmente abastecidos com mais filmes sobre sua vida – um deles, Elvis, o ídolo imortal (This is Elvis), semidocumentário de 1981, está em cartaz em três cinemas de São Paulo, hoje (o texto é de 1982). Sem contar, é claro, com os 33 filmes (quase todos horríveis, até mesmo na opinião do próprio Elvis) que ele estrelou em Hollywood, depois de trocar a imagem rebelde, sensual e agressiva pela de bom rapaz norte-americano. E sem contar com as incontáveis apresentações ao vivo e na televisão que foram filmadas.
Venderam-se reproduções dos seus instrumentos, fotos ditas autografadas por ele, botas, miniaturas de sua mansão, medalhas, camisetas, cintos, estatuetas, cartazes, relógios, loções, gomas de mascar, jóias, velas, dedais, copos, xícaras, tudo que a imaginação humana possa conceber, com seu nome ou sua imagem. Venderam-se pedacinhos de tapetes e lascas das paredes da casa de Elvis – com a garantia de que o ídolo havia encostado neles suas mãos.
“Vendeu-se” até a própria Graceland, a majestosa mansão de altísssimas colunas brancas, construída em Memphis, Tennessee, em 1939, quatro anos depois de Elvis Aaron Presley nascer em Tupelo, cidade pobre do estado pobre de Mississipi, único filho sobrevivente de um pobre plantador de algodão, Vermon, e sua mulher Gladys, que, no parto, perdeu o irmão gêmeo de Elvis. A casa de 18 cômodos, vastos gramados e muitos anexos, em que Elvis viveu boa parte da vida, escondeu-se do mundo, engordou, drogou-se, deu tiros a esmo e nos aparelhos de televisão que passavam programas que não o agradavam, e em que depois morreu, aos 42 anos de idade, está aberta à curiosidade pública – mediante um módico pagamento, óbvio. (Só com o “pedágio” cobrado às visitas a Graceland, a família Presley arrecadou, nos dois primeiros anos após a morte do cantor, US$ 5 milhões.)
Os diretores da indústria Elvis Presley avisam que é bom fazer reserva com seis meses de antecedência, pois a procura é grande. Mas, fazendo a reserva, qualquer um pode ultrapassar os grandes portões de ferro que separam os terrenos da Graceland da calçada da rua, aliás chamada Presley Boulevard. (Diante desses portões, enquanto estava vivo, sempre se comprimia uma multidão de fãs, em geral adolescentes; depois que ele morreu, revelou-se que era ali, entre as garotinhas aflitas por ter uma visão ainda que rápida do dono da casa, que os empregados de Elvis iam catar as mais bonitas, as quais eram chamadas para entrar e dar prazer ao ídolo. Teria sido assim que entraram na vida de Elvis Linda Thompson, belíssima mulher que viveu com ele cinco anos, e que tinha 24 quando ele morreu, e também Ginger Alden, a igualmente belíssima última companheira, que, aos 20 anos, estava presente em Graceland no dia de sua morte).
Cortinas, mármore, espelhos – uma cópia de um bordel de Nova Orleans
Ultrapassando os portões, o visitante pode atravessar o gramado e penetrar no primeiro andar da mansão, onde ficam – exatamente como estavam quando Elvis morreu – a sala de jantar, a sala de música, a sala de televisão (três televisores que Elvis mantinha ligados ao mesmo tempo, em três canais diferentes, e que são multiplicados pelos espelhos que cobrem o teto e todas as paredes), a sala de jogos (onde fica a mesa de sinuca e onde Elvis teria aleijado, com um taco de bilhar, uma de suas amantes ocasionais). Tudo com cortinas vermelhas drapeadas ao lado do vidro fumê, mármore ao lado do plástico, veludo ao lado de acrílico, num ambiente de mau gosto que, segundo um dos biógrafos mais cruéis do cantor, Albert Goldman, é a mais suntuosa cópia que se poderia fazer de um bordel de Nova Orleans no começo do século.
O visitante de Graceland poderá ainda ver, na garagem, a coleção de carros que Elvis possuía ao morrer – seis, inclusive o Cadillac cor-de-rosa de 1955 que deu de presente à mãe, quando começou a enriquecer, nos primeiros e mais vigorosos anos de sua carreira. Poderá também entrar na sala de troféus, onde há uma parede coberta com os discos de ouro que o cantor recebeu – um total incrível, absurdo de mais de cem.
Não se admitem, no entanto, visitas ao segundo andar da mansão, onde ficam o escritório e os quartos, inclusive o quarto principal, em que uma grande foto de Gladys, sua mãe (morta em 1958, quando ele servia ao Exército na Alemanha Ocidental), fica diante da cama de nove metros quadrados – a cama em que Elvis, no fim da vida, afundava seus 116 quilos e comia intermináveis hamburguers; em que – segundo o biógrafo Albert Goldman, em seu livro Elvis (MacGraw Hill, 1981) – Linda Thompson colocava-lhe fraldas de toalhas de banho, pois, nos últimos anos, em que já não era mais que uma contrafação do antigo rei do rock’n’roll, Elvis Presley já não conseguia controlar os intestinos doentes.
Mais de 70 discos ao longo da carreira
À saída da mansão, se quiser, o visitante poderá atravessar o Presley Boulevard e comprar, em uma das várias lojas que se instalaram ali desde o dia 16 de agosto de 1977, lembranças do ídolo morto. Uma das lojas pertence a Priscilla Presley, nascida Priscilla Beaulieu, filha de um coronel do Exército, que Elvis conheceu na Alemanha, enquanto fazia o serviço militar (ela estava com 14 anos), com quem se casou oficialmente a 1° de maio de 1967 e de quem se divorciou, mediante o pagamento de US$ 11 milhões, fora pensão mensal, em outubro de 1973, depois que ela teve um caso com o seu instrutor de caratê.
Além de lembranças, a indústria Elvis Presley vende também, é claro, discos. É a sua especialidade, afinal. Elvis sempre vendeu milhões de discos , desde “Heartbreak Hotel”, seu primeiro single lançado pela RCA, em janeiro de 1956, que em poucas semanas chegou ao primeiro lugar entre os mais vendidos dos Estados Unidos e ao segundo lugar na Inglaterra. Só naquele primeiro ano de carreira a nível nacional (antes de ser contratado pela RCA, ele havia gravado, em 1954 e 1955, cinco singles na Sun Records, uma gravadora pequena de Memphis), Elvis ganhou seis discos de ouro.
A RCA lançou mais de 70 Lps de Elvis no mercado norte-americano. O livro The Rolling Stone Record Guide enumera 59 Lps originais, mais 13 coletâneas, num total de 72. Contando os compactos simples e duplos, a RCA vendeu algo em torno de 600 milhões de discos de Elvis, de 1956 até hoje. No ano que ele morreu, houve, no mercado norte-americano, uma demanda de cem milhões de discos. Na Inglaterra, dias depois de sua morte, 19 LPs e 11 compactos simples haviam voltado às listas dos mais vendidos; um dos compactos, “Way down”, ficou em primeiro lugar durante cinco semanas. (Para se ter uma idéia do que isso significa, é bom lembrar que “From me to you”, dos Beatles, em 1963, no ano do estouro da Beatlemania, ficou em primeiro lugar durante sete semanas.)
Os discos de Elvis continuam vendendo sem parar. Nos Estados Unidos, na Inglaterra, no mundo todo. No Brasil, quando Elvis morreu, havia apenas dez de seus LPs em catálogo. Esgotaram-se nas lojas – assim como em todos os lugares do mundo. Já no começo deste ano havia 27 LPs no catálogo da filial brasileira da RCA. Ou seja: depois da morte de Elvis, a RCA relançou no Brasil mais de 17 de seus álbuns. Agora, pela passagem do quinto aniversário da morte, são relançados mais 19 LPs, dando um total de 46. E é lançado também um disco inédito, a trilha sonora do filme recente Elvis, o ídolo imortal.
Vai vender aos milhares
Em agosto de 1983 haverá novos relançamentos, novas coletâneas, com toda a certeza. Em agosto de 1984 também. De 1985, 1986, etc, etc, etc. Páginas e páginas de revistas e jornais – como esta aqui, hoje – falarão de sua vida, de sua música, de sua morte, para as gerações que dançaram ao som de seus discos e para as que vierem depois.
Um comentário, um quarto de século depois
Não me lembro quem me encomendou essa matéria, para ser publicada no dia dos cinco anos da morte de Elvis. Quem me pautava, me encomendava matérias sobre música na Variedades do Jornal da Tarde, nesse período (eu era sub-editor de Reportagem Geral, e escrevia às vezes sobre música como free-lancer) eram o Edison Paes de Mello e o Cesar Giobbi, mas de fato não me lembro quem me deu essa pauta.
Acho, hoje, ao reler o texto para publicar aqui no site, que a pauta, de qualquer forma, foi para a pessoa errada, que fez um trabalho errado. O texto deveria ter sido escrito por um fã de Elvis – e eu não sou. Fiz um texto com evidente má vontade, com antipatia pelo artista. Tem informações – devo certamente ter feito uma boa pesquisa. Mas o tom é anti-Elvis, e isso me parece um absurdo.
Percebe-se claramente uma total falta de informação à respeito daquele que, sem dúvida alguma, é o maior ícone musical de todos os tempos. Usar trechos da “obra” do Sr. Goldman, outro invejoso e preconceituoso, é claramente assinar uma confissão deincompetência. Elvis era, Elvis é, o maior(inclusive nos dias atuais 2010 quase 2011) de todos. Ponto final!
Realmente poderia ter ficado sem essa matéria, amigo. Lamentável.
Li o texto somente hj, 35 anos após a morte de Elvis. Estava buscando informações sobre artistas campeões de vendagens. Desculpa mas achei o texto absurdamente preconceituoso. Provavelmente embalado pela enxurrada de publicações que exploravam e especulavam sobre a vida privada de alguém que revolucionou a música e os costumes de seu tempo.
Cara Maria Carvalho,
Não é necessário pedir desculpas por achar o texto “absurdamente preconceituoso”.
Não sei se o texto é “absurdamente preconceituoso”. Acho, conforme eu mesmo escrevi, logo abaixo do texto, que ele foi feito com má vontade, por alguém que não é fã do Elvis. Está lá, com todas as letras:
“Acho, hoje, ao reler o texto para publicar aqui no site, que a pauta, de qualquer forma, foi para a pessoa errada, que fez um trabalho errado. O texto deveria ter sido escrito por um fã de Elvis – e eu não sou. Fiz um texto com evidente má vontade, com antipatia pelo artista. Tem informações – devo certamente ter feito uma boa pesquisa. Mas o tom é anti-Elvis, e isso me parece um absurdo.”
Às vezes me dá uma certa tristeza ao ver que, por mais que escrevamos as coisas com todas as letras, nossas letras não são lidas.
Muito obrigado pelo comentário.
Sérgio
eu gosto elvis presley
Achei o texto legal,já li uma biografia sobre o Elvis onde pintava-o como santo,inclusive que ele não usava drogas.
Pois é, 42 anos depois não acharam um substituto e nunca haverá. Gente pobre de espírito escreve a própria alma insólita. Afinal, se escreve o q tem por dentro. Goldman é invejoso é horroroso
o Elvis morreu cedo pois foi vítima de si mesmo, o Goldman é um escritor de bastante prestígio fama e fez um trabalho formidável, ainda que alguns torçam o nariz pela sua forma narrativa, retratou o ser-humano falível, por trás da figura mítica, todos amamos o eterno Rei do Rock, mas o homem se perdeu, porém Elvis não morreu.