Os meninos crescem e o amor segue seus passos. A cada dia uma novidade. Aquele finge que não sabe falar, mas entende tudo e, por conforto, prefere esperar que os adultos lhes mostrem os objetos.Mão estendida, sem essa canseira de gastar palavras, o que ele terá de fazer por toda a sua vida a partir do momento que for descoberta a sua esperteza. O fascinante, para esse avô desengonçado, é perceber a noção de ritmo que ele tem. A música o conduz a sorrisos, palmas e pés que batem no chão. A imitação do gestual dos pais revela inteligência e criatividade. Meus olhos brilham na contemplação da cena.
Ela continua me deslumbrando pela alegria, carinho e inventividade. É tão bom saber que sou amado por pessoa tão pura. No telefone, “ ei, vô”, eu me desmancho. Mas ao vivo é uma festa que não tem tamanho, um renovar de energia, uma vontade cada vez maior de ter saúde e viver muito. No tempo das filhas, eu vivia também de boca aberta de deslumbramento. Mas ter direito a essa segunda chance é algo que me dá um contentamento difícil de narrar. Fui contemplado pela felicidade, eu penso.
Assisti hoje, com eles, à versão original de Peter Pan. Eu viajei horrores, revendo minha experiência de menino, aqueles músicas, aquele desenho, aquele vôo à terra do nunca que, para mim, é a terra do sempre. Nenhuma nostalgia de minha infância, apenas a constatação de que, quando a tive, aproveitei às pampas.
Na imaginação e na folia das brincadeiras de rua com os parceiros da mesma idade. Quem não foi Peter Pan, quem não combateu o Capitão Gancho, quem não gargalhou com o crocodilo que engoliu o braço e o despertador, e se encantou com as sereias? Naquele tempo em que o erotismo começava a despontar no corpo dos meninos.
Mas agora não sou eu o cowboy. Eles é que são, os meus pequenos e amorosos companheiros de filme. Ela é calma e assiste a tudo com atenção e risos. Ele tem mil interesses. Quando se fixa na tela da televisão, ri e pula, sempre no ritmo das canções. A visão dessas vidas sem maldade, abertas ao afeto, me ensina muito. No meu convívio com o mundo, com os obstáculos que dificultam nosso caminho, encarceram nossas aspirações de liberdade e justiça, eu sinto que é possível não usar máscaras, mentir, ser falso.
A desilusão com as promessas ideológicas, políticas e econômicas é um fato que nenhuma campanha de marketing vai solucionar. É desolador assistir às atitudes dos que chegam ao poder, ilusório, e se dizem donos da verdade.
Não há verdade única, nem absoluta. E o poder não tem o poder de esconder eternamente a verdade, escrevi um dia para um cartaz que retratava Galileu.
Eu, porém, me mantenho em pé e teimosamente esperançoso ao conviver com os meus meninos.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em março de 2013.
GOSTEI AS PAMPAS. Curti pra dedeu!