Eu me lembro da primeira vez que o vi. Pequeno, pretinho, no colo dos meus filhos, que tinham ido nos buscar no aeroporto da Pampulha. Vínhamos de uma viagem para fora do Brasil e trazíamos forte, ainda, a dor da perda do Otto, basset-round que nos dera tanta alegria.
A intenção era nos reanimar no dia a dia, na rotina doméstica. Muito antes de crescer, já nos conquistara.
Nunca abriguei em minha casa nenhuma fera. Desde que minhas meninas eram crianças, nossas escolhas eram sempre por animais dóceis, brincalhões, educativos para a meninada. O primeiro que tivemos nos domínios da Cachoeirinha foi o Obelix, beagle inesquecível.
Quando eu era o menino, tivemos vários companheiros, todos vira-latas e amantíssimos, que pareciam viver mais do que os de raça mais pura, que só conhecei ao me tornar pai. Dianas, Suzetes e outros preencheram de alegria a minha meninice. Mas também eles tinham seu dia final, seja por atropelamento ou doença. Guardo na memória o ensinamento do primeiro veterinário que conheci, o Forondo, médico do Obelix: você adquiriu o melhor presente para as suas crianças. O tempo demonstrou que ele estava certo.
Desde a sexta-feira antes do Carnaval, no entanto, uma solidão tomou conta dos dias e da casa, dos espaços onde convivíamos com o Miró, belo labrador preto de andar elegante e atitudes sóbrias. Latia para os de fora, para os ruídos da rua, para as campainhas. Protetor da família, era incapaz de ladrar quando havia crianças por perto. Se acercava, admirava e ficava quieto. E os amigos que nos visitavam também eram acolhidos com o sorriso do abanar do rabo.
A sentença de sua morte já estava decretada, mas sempre ficava uma esperança com os curativos que lhe eram feitos ao longo de meses. Ele passou a chorar pelas noites, de dor. Analgésicos o acalmavam mas eram paliativos. Eu me encarreguei, enquanto a maioria do pessoal viajava para os feriados, de levá-lo à consulta definitiva. Não havia opção. Eu voltei para casa com a mesma sensação de amargura dos outros momentos semelhantes que vivi.
Não adiantou esconder sua morada, nem seus pratos de comer e beber. O território nosso era dele e por todos os lados que vou sinto sua presença negra. Seus sons se ouvem no dia e me acordam na noite. Chego da rua, abro o portão e cadê ele vindo em minha direção para me receber? Silêncio que dói.
Sinto-me incapaz de começar tudo de novo com um novo amigo. Um vazio enorme tomou conta do casal desde os dias da folia e do samba. Miró faz uma falta imensa como os outros fizeram. Mas o sofrer presente é dele.Por ele eu me entrego ao sentimento da dor e da saudade.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em março de 2013.
A ausëncia de Romeu, o pug do Antonio Sérgio e do Miró, labrador do Fernando Brant me faz atentar para ausência de Beethoven, meu poodle amigo de 14 anos.
Fica fácil entender a poesia de: “meu cachorro de sorriu latindo”.