Hesito entre espichar-me no sofá ouvindo as coisas do Moacyr Santos ou tomar um café expresso sem açúcar. Fico com os dois. O lombo assado, farofa, arroz e feijão, tudo caseiro, trouxeram-me uma enorme preguiça.
Olhos fechados e ouvidos atentos, concentro-me, na véspera de mais um Natal, em buscar ideias novas ou antigas na memória e na imaginação. O resultado, agora que acabei de acordar, saberei agora. Colhi algo nesse rápido cochilo?
Na cozinha prepara-se um lombo de bacalhau gadhus morua para o almoço de amanhã. Para quem é bacalhau serve, dizia-se em tempos passados quando o peixe norueguês era servido em qualquer casa, acompanhado de chuchu, em dias comuns. Quem realmente merecesse o afeto e a admiração dos pais eram recebidos com iguarias mais finas e trabalhosas da cozinha mineira.
Mesmo porque nas primeiras lembranças que eu tenho de bacalhau, nos armazéns de minha infância, os peixes salgados ficavam expostos e todos os que entravam para fazer comprar tiravam uma lasquinha e levavam à boca. Aquele sal vive firme em minha lembrança. Na mesa ele não tinha essa importância de hoje.
Não competia com o “jogo”, pedaço do peito do frango, carne branca, que servia para uma disputa entre os irmãos para saber quem ficaria com a parte maior do ossinho assado. Mas em matéria de manjar, sem contar as sobremesas que minha mãe fazia aos domingos e dias de festa, nada batia as simples e saborosas sardinhas à milanesa preparadas sempre às sextas-feiras, logo depois da feira semanal. Bacalhau, ao contrário de hoje, conhecendo várias formas de degustá-lo, naquele tempo não valia uma mexerica carioca ou uma maçã nacional bem ácidas.
No Natal o que valia, e continua valendo, são as manhãs em que a meninada faz algazarra em torno dos presentes recebidos. Bonecas, bicicletas, jogos. Para os pequenos era o encantamento e isso continua existindo, pelos menos com os que convivo.
Irmãos mais velho, pais e avós têm de expulsar ou adiar o sono para se integrar na festança infantil. É o que vale o ano cheio de trabalho e amolações. É o que compensa o mundo injusto e cruel, a renitente violência dos poderosos e suas guerras.
Olho para as caras de governantes de Brasília e todos os lugares e não consigo enxergar neles nenhum traço de meninos que, pela lógica do tempo, eles devem ter sido. Não é necessário citar nomes, eles são múltiplos e se reproduzem. Mas faça essa experiência. Concentre o olhar na imagem de alguns desses que estão por aí, mentindo e se aproveitando da inocência e ignorância da população. No máximo eles cuidam dos seus, o que não os redime.
Se meninos foram, eram, sem botar as mães no meio, uns absolutos filhos da puta.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em dezembro de 2012.
Foram meninos sim, o Brant. Viraram uns filhos da puta, sem culpa das mães. Estas mães que envergonhadas continuam fazendo a caia, com bacalhau e rabanadas, a espera dos antigos meninos que perderam a inocência e a vergonha.São hoje políticos que se aproveitam da ignorância e inocência da população. Nos armazéns de nossa infância continuamos beliscando lascas de bacalhau. Continuamos inocentes.