Dia de lembrar três amigos

Reservo a manhã para procurar em papéis antigos um texto que não encontro no computador. Esses momentos sempre me reservam surpresas. Escritos feitos há tempos, esquecidos, reaparecem e, muitas vezes, de alma nova. Acabo encontrando uma reportagem que escrevi em 1973 para a revista O Cruzeiro narrando o que restou da estrada de ferro Bahia-Minas, que ligava Araçuaí a Ponta de Areia e Caravelas. Ligava Minas ao porto, ao mar, como diz a canção que fiz com Milton Nascimento mais tarde. O fotógrafo, parceiro dessa aventura, Luiz Alfredo mora há anos em Niterói, curtindo a família e a aposentadoria.

Recolho entre as pastas uma encadernação em espiral, com uma folha solta, em que um menino mija em um cachorrinho e diz “ ainda hei de mijar no presidente.” Assinado, Zé do Boné. O pequeno livro de 27 páginas datilografadas (“Ciscando a Infância”) é de autoria de José Franco Monteiro de Castro, o mais sossegado dos mineiros, texto impecável em síntese e poesia, primeiro mineiro a ganhar o prêmio Esso Nacional de Jornalismo. Ser humano admirável. Não o vejo há anos e sinto que é hora de procurá-lo em seu refúgio.

Largo o trabalho de pesquisa e vou ler os jornais do dia. Leio uma crônica em que Plínio Barreto conta um fato ocorrido com o cunhado do José Franco, Eugênio Silva, um dos maiores fotógrafos do país, de uma bondade maior que seu tamanho imenso. Este, que era cunhado do Zé Franco, infelizmente eu não posso ver mais. Guardo na memória em lugar especial.

Saio para a cidade, vou a Academia Mineira de Letras para uma conversa descontraída com leitores de minhas crônicas e quando volto para casa tenho notícia de que o José Nicolau, irmão do Eugênio Silva e também um amigo que não vejo há muitos anos, havia me telefonado. Para um dia só era muita coincidência.

Trabalhei com esses três quase cinco anos e o que deles me ficou foi uma lição de generosidade, amizade, trabalho, talento e compreensão. Com o fim da sucursal de O Cruzeiro nossos caminhos se cruzaram menos. Com o Eugênio eu me encontrei mais, pois, um tempo depois,trabalhamos juntos na Rádio Inconfidência. Era um sábio e me ajudou a enfrentar os desafios da direção artística da emissora pública. Sentávamos eu, ele, o Gonzaguinha e o Claudinê Albertini, diante de cervejas geladas e vencíamos, graças à sua serenidade, os obstáculos do dia a dia.

Ele se foi, mas o Nicolau continua aí, disposto a vender o sítio que ocupou sua vida por mais de vinte anos. Quer ficar novamente na cidade e reencontrar seus companheiros de copo e conversa. Até já marcou uma cervejada para qualquer uma dessas terças ou quintas, na Rua da Bahia.

Prometi comparecer e o farei com imenso prazer. Ouvir sua fala mansa, degustar a leveza de seu coração puro sempre foi um conforto e ainda será. Não é comum uma coisa dessas, essa sincronia de lembranças. Num mesmo dia, em situações diversas, encontrar rastros de amigos sumidos no mundo.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em junho de 2012.

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