Existem mais mistérios entre José Dirceu e o mensalão do que sonha nossa vã filosofia.
Os gregos, com a sabedoria que acumularam muitos séculos antes de enrascada do euro, inventaram uma expressão – húbris – para significar uma coisa que passa da medida, e pode ser sinônimo de presunção, arrogância, ou pura falta de comedimento.
Entre as tantas coisas desmedidas que cercam esse capítulo marcante da recente história política brasileira está a obstinação com que os envolvidos nele tentam negar a sua existência – ainda que ela seja corroborada por 65 mil páginas de investigações e evidências que formam o processo que está para ser julgado pelo STF.
Seria também ocioso citar como desmedidas as reações que o ex-presidente Lula teve a respeito das primeiras denúncias sobre a existência do mensalão.
A primeira reação foi um humilde ato de contrição e um pedido formal de desculpas ao povo brasileiro por um malfeito – para usar uma expressão contemporânea – sobre o qual ele não tinha responsabilidade alguma, uma vez que, para usar a sua própria expressão, fora “traído”. (Como se sabe, só amigos traem.)
A segunda reação, que veio mais tarde, foi a negativa total, inspirada, como se sabe, por notório, monumental e geralmente caríssimo saber jurídico. Tudo não passou de um banal episódio de Caixa 2, pecado do qual nenhum partido político brasileiro pode declarar-se inocente.
Mas em matéria de húbris – ou falta de comedimento – o último ato do ex-ministro José Dirceu foi realmente extraordinário.
Que o ex-ministro se tenha em alta conta como um poderoso líder popular e revolucionário da América Latina, não chega a ser segredo para ninguém.
O ex-ministro tentou transferir essa auto-convicção a uma platéia de “jovens socialistas” e militantes de uma entidade estudantil como a UNE, cooptada por verbas públicas (mal aplicadas, segundo denúncias do Ministério Público), chamou o julgamento do mensalão de “batalha final” e pediu que os estudantes saíssem às ruas em sua defesa.
Dando ao simples julgamento de um processo sobre uso suspeito de dinheiro público o tom épico de uma “batalha final” e tentando revestir a sua participação nesse episódio de uma certa monumentalidade, José Dirceu foi um pouco além até mesmo do que o bom senso pode classificar como “húbris”.
O último a cometer tal desatino foi o ex-presidente Collor, quando ainda não tinha sido apeado do poder, e se atreveu a convocar a população a vestir-se de verde e amarelo num final de semana para apoiá-lo e defendê-lo do ataque do que ele considerava seus “inimigos”. A população respondeu vestindo-se de preto.
Seria o caso de parafrasear o inesquecível Nelson Rodrigues e vaticinar que toda megalomania será castigada?
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 15/6/2012.