A Operação Voucher desencadeada pela Polícia Federal no Ministério do Turismo fez mais do que trazer à tona outro escândalo escabroso, desta vez com gravações que ensinam a roubar sem deixar vestígios e quase quatro dezenas de presos. Foi exemplar para ilustrar a balbúrdia que se instalou no país.
Ainda que se condene a pirotecnia da ação, a PF cumpriu o seu dever. Pena que só o fez depois de não o fazer nos ministérios dos Transportes e da Agricultura. Pior: quando fez o que tinha de ser feito foi repreendida. Formalmente, pelo uso ilegal de algemas, mas, de fato, por agir sem informar previamente à presidente da República.
Fala-se com impressionante naturalidade do quão “surpreendida” ficou a presidente Dilma. Que ela quer “enquadrar” a PF, que ficou irritada, deu bronca no ministro da Justiça. O jornal O Estado de S. Paulo chegou a publicar – também sem qualquer juízo ou crítica, como se normal fosse – que tudo era diferente para o ex. Com um código de letras, o então diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, descumpria a lei, mas avisava as operações a Lula.
O Código Lacerda é emblemático. Mostra com precisão como Lula entendia – e possivelmente ainda entende – o Estado. Na sua cartilha, as instituições existem para servir ao governo, seus integrantes, companheiros e aliados, não ao país e ao seu povo.
Por vontade, esperteza ou má-fé, promoveu-se a confusão geral. Misturou-se Estado e governo, o público e o privado, os cofres da nação com os dos partidos políticos, além de alguns bolsos privilegiados. Admitiu-se a impunidade como regra, incentivando a pilhagem do dinheiro do contribuinte. Deu-se corda, destreza e requinte à corrupção, ácido que corrói ainda mais as instituições.
Tudo tido como usual. Coisa que todo mundo sempre fez, faz e fará. Daí não causar espanto o desencaixe absoluto das engrenagens.
Ninguém nem mesmo reclama mais do toma lá dá cá no Congresso Nacional, onde o que importa para a maioria são cargos, privilégios e outros favores que o governo oferece. Tampouco se exige algo da oposição, há tempos acuada, com um ou outro expoente que, como andorinha solo, não consegue fazer verão.
O Supremo cobre a ineficácia legislativa, mas tarda e falha nas suas tarefas. E o Executivo gasta mais e pior para acomodar amigos, companheiros, protegidos de aliados e descontentes perigosos.
Por sua vez, a presidente Dilma, mesmo sendo a principal figura do governo anterior, colhe aplausos por não compactuar com a roubalheira, como se o inverso fosse admissível.
E louva-se a sanidade do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, assertivo ao defender o Estado de Direito. Estranho seria o contrário. Pelo menos enquanto o país for uma República e não um hospício.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 14/8/2011.