Sigilo. Essa é a palavra da semana, do mês. Na verdade, uma das prediletas dos governos Lula e Dilma, e dos petistas. Eles mesmos, aqueles que outrora, antes das alegrias e agruras do poder, defendiam transparência e – pasmem – decência na coisa pública.
De algum tempo para cá, tudo passou a ter a sombra do sigilo.
Da insistência do ex-ministro Antonio Palocci em manter segredo sobre as empresas que lhe garantiram a espetacular fortuna da noite para o dia ao estupro, pelo mesmo Palocci, da conta bancária do caseiro Francenildo. Da quebra do sigilo fiscal de tucanos à demissão de uma funcionária de quinto escalão, com mais de 20 anos de serviço, sem que qualquer chefe ou mandante tenha sofrido um único arranhão. Das pernas que se bambeiam diante dos ex-presidentes José Sarney (o dos atos secretos do Senado) e Fernando Collor e fazem com que a ex-revolucionária Dilma Rousseff mude de opinião e avalize o sigilo eterno de documentos de Estado.
Nesse paraíso de absurdos, só faltava mesmo assegurar o sigilo dos preços das obras com o selo Copa do Mundo e Olimpíadas. Estrago feito pela Câmara dos Deputados ao aprovar o texto básico da Medida Provisória 527, que cria a Secretaria de Aviação Civil.
“Se você começa a divulgar cada valor (da obra) a cada momento você vai criar uma insegurança muito grande”, diz o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). Um raciocínio que, com muita boa vontade, pode, no mínimo, ser considerado torto. A presidente Dilma vai mais longe: diz que todo mundo entendeu errado, que o modelo é consagrado em outros países e teve o aval dos órgãos de controle. Não é o que o Ministério Público Federal acha. Muito menos o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que considerou a MP “escandalosamente absurda”.
Tudo na MP 527 é de arrepiar. Além de instituir mais uma secretaria com status de ministério, o 39°, criam-se 129 cargos em comissão, os conhecidos e disputados DAS, éden dos apaniguados. De quebra, transferem-se mil ferroviários de ex-estatais para o Ministério da Justiça, sabe-se lá para fazer o quê.
Foi nessa árvore de galhos tão generosos que se pendurou o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Plantado por Lula em 2010, o texto original caiu por prazo. Depois, integrou sem sucesso outras três MPs. Agora, parece frutificar, consagrando a permissão para pecar.
Se mantido pela Câmara e aprovado pelo Senado, o RDC passará a valer para tudo: construção de estádios, aeroportos, estradas, etc., para as 12 cidades que receberão os jogos e ainda para capitais que estão a até 350 km das sedes. Os demais continuarão a licitar pela lei 8.666, isso sim, uma estranheza jurídica – a convivência de dois sistemas de contratação quase antagônicos.
Elaborada sob a ótica da lisura, a lei 8.666 irrita governantes que querem realizar obras, digamos, com certa heterodoxia. Lula a odiava, assim como detestava qualquer fiscalização do Tribunal de Contas da União, com quem manteve relações conflituosas. Pelo jeito, Dilma segue na mesma toada. E tem maioria para tal.
O Brasil foi escolhido para sediar a Copa 2014 em outubro de 2007. Em maio de 2008, as cidades que receberiam os jogos foram anunciadas com pompa e circunstância. De lá para cá, pouco ou quase nada foi feito.
Aprovar a RDC é coroar a incompetência, a inépcia. Cria-se uma lei de exceção, premia-se o improviso, inibe-se a fiscalização. E abre-se a porta do céu para os inescrupulosos.
Ao contribuinte, resta a conta do inferno.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 19/6/2011.