Nunca quis matar nenhuma velhinha. Mesmo assim, lembro-me até hoje do impacto que foi ler, em minha adolescência, Crime e Castigo, de Dostoiévski. O drama de Raskolnikov, um jovem que assassina a troco de nada, motivou o escritor russo a escrever um romance que é uma viagem através da alma humana. No fim da leitura, e é esse um dos segredos da grande literatura, eu me senti mais adulto e melhor. A arte, qualquer uma delas, produz a maravilha de elevar nossos sentimentos, nossa inteligência.
Quem faz música, diz Tavinho Moura, não tem tempo para a violência. Quem a ouve, principalmente a que almeja alcançar o sublime, também não, penso eu. A poesia de Mário Quintana e Manoel de Barrros nos conduz ao país da felicidade. Toda poesia, quando sai do poeta e ganha seu público, tem o dom de aperfeiçoar nossa sensibilidade. O menino Portinari de Brodósqui, aquele das mãos de olhos azuis, traçou em toda a sua obra o itinerário da paz e da solidariedade. É isso a cultura, indispensável para o crescimento das pessoas e das nações, essencial para que nossa existência seja mais bela.
Os jornais se espantam porque a presidente foi ao teatro. Mas se ela foi criada, pelo que se sabe, cercada de livros, isso é natural e não deveria chocar ninguém. Leio que ela foi assistir a uma encenação, dirigida por Aderbal Freire Júnior, do livro O Púcaro Búlgaro, de Campos de Carvalho.
Esse autor mineiro fascinou meus contemporâneos de juventude. Conheci primeiro, nos meus tempos de Colégio Estadual, o surpreendente A lua vem da Ásia: “Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa – e qual defesa seria mais legítima? – logrei ser absolvido por cinco votos contra dois e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris.” Não fiquei maluco nem anarquista depois de ler esse livro publicado em 1956, ano em que foram editados, também, Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa e O Encontro Marcado, de Fernando Sabino. De memória não me lembro, mas sei que muita arte fora do comum veio ao mundo brasileiro naquele ano.
No mundo de hoje, quando tanto se mata e todos ficam sabendo no mesmo instante; em que o nosso país vai caminhando em busca de um destino mais justo para seu povo; em que a flor que brota no asfalto é atropelada pelos automóveis, mas o sorriso das crianças e dos amantes, dos amigos e dos irmãos, também mostra sua face globalizada: façamos a nossa parte, cultivando o carinho que aprendemos e precisamos passar adiante.
Abaixo a intolerância e viva a cultura.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em abril de 2011.