A isenção

Hoje, 2 de outubro de 2025, é dia de festa e não quero estragar a alegria de ninguém. A aprovação, por unanimidade na Câmara Federal, da isenção do imposto de renda para os salários até R$ 5.000,00 — com um bom desconto para o intervalo até R$ 7.350,00 — é um feito histórico que se deve ao presidente Lula, ao ministro Haddad e (argh) ao mesmo Congresso que quase aprovou a PEC da Bandidagem e ainda não mandou para a lixeira o indecoroso projeto de lei da anistia aos golpistas.

Mas, salário não é renda e, portanto, nenhum salário deveria ser tributado. 

Salário é o pagamento, pelo patrão, do aluguel da força de trabalho do empregado no seu negócio. Quem deveria pagar imposto sobre esse aluguel não é o dono dessa força, mas o patrão que a utiliza para fazer seu negócio andar. 

O trabalhador, dono da força de trabalho, utiliza-a para se alimentar, vestir e sustentar a si e sua família. Isso não é renda. Isso é um valor necessário para sua sobrevivência. Sem ele, morre de fome. Cobrar imposto sobre isso é uma impostura! 

Tributar o trabalho é o mesmo que tributar um bebê por ter nascido. Ao nascermos, nosso destino é ralar para viver. E ainda vamos pagar imposto por viver? Não mesmo! 

Se imposto há que se pagar é sobre o uso que o patrão faz da força de trabalho do assalariado. Ao não pagar por isso, o empresário está se apropriando indevidamente de um excedente da força de trabalho de outrem, para ele e seu negócio sobreviverem. Tem graça! 

Não estou falando da mais valia apontada por Karl Marx em Das Kapital. Mais valia é a diferença entre a massa salarial paga por uma empresa ou propriedade e o valor que ela obtém com as vendas de tudo que produz, num dado período (um ano, por exemplo) e deduzidos todos os custos de produção (insumos e matéria prima, por exemplo). 

No tempo de Marx não havia imposto sobre o salário. Essa novidade começou nos EUA, em princípios do século 20, e se estendeu mundo afora. Antes, o que existia era uma taxa sobre os lucros das empresas e propriedades. 

“Esqueceram” que nos lucros está aquela diferença apontada por Marx. Se uma empresa ou propriedade tem lucro, uma parte dele é do trabalhador. Calcular isso é o segredo que ninguém conta. Mas é simples: basta atribuir aos salários o percentual que representam relativamente ao resultado líquido da empresa. Digamos que seja de 20%, sendo o restante proveniente da eficiência dos processos produtivos,  da política de preços, da inovação e qualidade dos produtos lançados no mercado, da credibilidade do fabricante etc.

Esse percentual hipotético de 20% do lucro líquido deveria reverter para o trabalhador, acrescido ao salário nominal. Simples, mas ninguém faz. O que alguns proprietários fazem, por benemerência, sem obrigação legal, é transferir de tempos em tempos uma pequena porção do excedente, na rubrica de “participação nos lucros”. E os trabalhadores são taxados por esse “excedente” também. Só levam na cabeça… mesmo quando o patrão é razoavelmente “justo”. 

Mais valia é o excedente produzido pelo trabalhador para além do seu salário. Sua apropriação pelos proprietários resulta em concentração de renda ilegal, injustiça salarial e injustiça tributária. É uma perversidade estrutural do sistema capitalista. 

 A cobrança de imposto de renda sobre o salário é causa de injustiça social e desigualdade. É outra crueldade do sistema, que se soma à anterior. 

E é também uma burrice, pois com mais recursos no bolso os trabalhadores e trabalhadoras comprariam mais produtos, as empresas produziriam mais para atender ao crescimento da demanda, empregariam mais trabalhadores, o INSS agradeceria muitíssimo e os governos aumentariam sua arrecadação tributária sobre o consumo. 

Um dia, talvez, a gente chegue lá. Hoje demos o primeiro passo. Não esquecer que 72% dos nossos congressistas são empresários ou fazendeiros. Não é mole, ou pouco, o que Lula e Haddad conseguiram. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e estudioso dos temas econômicos e das nossas injustiças. 

2/10/2025

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