De repente, “La Vie en Rose” em Perdizes!

São Paulo é como o mundo todo, São Paulo é uma beleza, uma caixinha de surpresas, e de vez em quando eu penso para mim mesmo: que mundo maravilhoso.

De repente, do nada, os moradores dos prédios próximos à esquina de Vanderlei com Iperoig, Perdizes, Zona Oeste, foram brindados com “La Vie en Rose”. Em alto e bom som, vindo de um instrumento de sopro, evidentemente ao vivo, mas poderoso – e um acompanhamento simples, básico, provavelmente vindo de um aparelho de som.

Eu estava escovando os dentes, e fiquei intrigado, é claro: como assim? WTF? “La Vie en Rose”, meu? Alguém que gosta de Piaf??? Os versos que Piaf cantava talvez para Marcel Cerdan, seu grande amor… “Quand il me prend dans ses bras / Qu’il me parle tout bas / Je vois la vie en rose / Il me dit des mots d’amour / Des mots de tous les jours / Et ça me fait quelque chose…”

Bem, mas aí, “La Vie en Rose” terminada, ouço os acordes iniciais, inconfundíveis, de “What a Wonderful World” – e não dá para segurar a voz que resolve cantar junto com a lembrança de Louis Armstrong, aquela figura inigualável, cantando “The colors of the rainbow / So pretty in the sky / Are also on the faces / Of people going by / I see friends shaking hands / Saying, “How do you do?” / They’re really saying / I love you”.

Cacete, o mundo não está nada, mas nada, mas nada wonderful, este mundo de Trump, Putin, Netanyahu e Bolsonaro, juntos e ao vivo, e não dá para não pensar em Bom Dia, Vietnã (1987), o filme em que o personagem de Robin Williams, um D.J. muito doidão, é designado para trabalhar na estação de rádio das Forças Armadas nos Estados Unidos em plena guerra do Vietnã – e então o espectador ouve o grande Louie cantando que o mundo é maravilhoso enquanto bombas de napalm eram lançadas contra os campos vietnamitas.

Verdade, verdade – mas, diacho, tem alguém tocando “La Vie en Rose” e “What a Wonderful World” na minha rua, no comecinho da tarde de uma quarta-feira! Pela escolha do repertório, deve ser um velhinho de 75 anos fazendo serenata para sua amada de 70!

(Isso aí é besteira. Clássico é clássico, e não tem idade, como estão aí as garotas MonaLisa Twins e Benedetta Caretta, entre tantas outras, para comprovar.)

E aí entra a terceira música, um bolero que demorei alguns segundos para que caísse a ficha. Os neuroninhos cansados de gierra se reviraram e me vi cantando os versos “Hoy mi playa se viste de amargura / Porque tu barca tiene que partir / A cruzar otros mares de locura / Cuida que no naufrague en tu vivir”.

Meu, como assim? O cara ataca de um clássico francês, um clássico norte-americano e um clássico mexicano!

Estava calçando o tênis pra ir ver o que era aquilo quando ouvi os primeiros acordes de “Como é grande o meu amor por você”.

Ah, mas o que que é isso?  Edith Piaf, Louis Armstrong, todos os cantores de bolero do mundo, e mais Roberto Carlos!

***

Quando alcancei o sujeito que havia apresentado esse fantástico show, ele já estava arrumando suas coisas para ir embora. Chama-se Alessandre, e não é um velhinho, de jeito nenhum: tem um jeito de uns 40 e tantos, talvez 50 e poucos – o mau repórter aqui não perguntou.

Disse que faz isso sempre – escolhe uma rua qualquer e toca seu trombone de vara e sua flauta transversal, acompanhado por uma base rítmica que sai de um aparelho de som. Com isso vai divulgando seu trabalho. (Ele estende no asfalto, perto da calçada em que toca, uma grande faixa com seu telefone, 11 96479-9494, bem visível da janela dos apartamentos em volta.)

A quem desce de seus apartamentos para ver de perto aquele fenômeno, oferece um cartão de visitas, em que é dito que está disponível para “serenata, festa infantil, homenagens e outros”.

Alessandro é de fato um fenômeno, um tipo inesquecível desta paulicéia desvairada, mas não é um excelente marqueteiro de si mesmo: esqueceu-se de colocar no cartão o seu próprio nome.

1°10/2025

5 Comentários para “De repente, “La Vie en Rose” em Perdizes!”

  1. Que rasgo de poesia, nesta selva de pedra!
    (A propósito, a identificação deste singular artista não estaria estampada … no verso do cartão?)

  2. Não, Alex. O nome dele não está no verso do cartão. Ele admitiu pra mim que a falta do nome dele foi um erro…
    Obrigado pelo comentário! Abração!
    Sérgio

  3. Hoje foi meu dia. Despedida do mundo enquanto sou capaz. Me descupem os viventes. Quero libertarmos o espírito. O corpo, se despede. Já cansou de viver, sente dor e não pode mais.

    Alegria! Alegria. Só quero agradecer ao mundo, a poesia que ainda houver.

  4. Que delicia logo cedo ouvir clássicos que fazem bem aos ouvidos e ao coração!!!
    Que mais pessoas dividam essa arte conosco e possam ter mais trabalhos para divulgar seus encantos!!!
    Gratidão pelo texto delicioso.

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