O fechamento das estações de metrô na Avenida Paulista, de responsabilidade do governo estadual, e os carros da Guarda Municipal, de responsabilidade da Prefeitura, avançando contra o povo no final da manifestação de domingo em São Paulo, mostram à luz do sol o grau de degradação a que chegaram Tarcínico e Nunes em suas cruzadas ideológicas contra as liberdades democráticas.
A Prefeitura ainda completou a “obra” dando folga extra aos motoristas das frotas de ônibus no domingo. Assim como fizeram no segundo turno de 2022, os bolsonaristas se esmeraram em atrapalhar a vida do povo contrário às suas idéias tortas no domingo passado.
E, tal como em 2022, deu tudo errado: o povo foi para a rua, em São Paulo e do Oiapoque ao Chuí, deixando um recado amargo para a direita.
Mas não foi só aqui que os tiros saíram pela culatra. Em Nova York, o discurso de Lula na ONU foi aplaudido várias vezes durante a sessão, enquanto o de Trump passou em brancas nuvens. Brancas? Nem tanto.
A direita também teve que amargar, ainda na ONU, um efusivo abraço de mister Trump ao encontrar Lula, que saía desprevenido do plenário para dar vez ao presidente norte-americano de falar. Foi literalmente atacado, assediado, melhor dizendo, pelo grandalhão de cabelos dourados. Lula nada pôde fazer senão retribuir o abraço.
Tomado por súbita simpatia pelo brasileiro, com quem nunca conversara, Trump derramou-se em elogios públicos ao colega e convidou-o para uma reunião na semana que vem. Algo louco aconteceu, pois Trump ouvira o discurso de Lula em tradução simultânea na sua orelha, descascando-o pelas tarifas, sanções, chantagens e autoritarismo desenfreado.
O encontro foi um esbarrão de somente 39 segundos, nas contas meticulosas do próprio Trump. Mas foi mais que suficiente para ouriçar os pelos da direita tupiniquim.
Se Trump e Lula fecharem um acordo sobre tarifas e sanções, a direita brasileira terá chegado ao fim da linha.
Os termos de Lula já estão dados: a independência do STF é inegociável, a soltura de Bolsonaro está fora de qualquer cogitação, a aplicação da lei Magnitsky é um abuso intolerável e as tarifas brasileiras de que Trump mais reclama, sobre alguns produtos (etanol e metanol, entre eles), podem ser revistas numa eventual negociação.
Trump está louco para retirar as tarifas que ele mesmo criou do nada e encareceram brutalmente o café brasileiro, o suco de laranja e a carne para os americanos. Os produtores de soja de lá também pressionam Trump para que o grão seja destarifado, já que a soja brasileira sumiu do mercado local e os preços explodiram, encarecendo toda a cadeia.
Trump tem que atender a todos sem parecer que perdeu as calças e a pose. Seu incontido impulso em direção ao brasileiro (a diplomacia gringa recomendou somente um aperto de mão, caso se cruzassem) não admite outra interpretação. Parece ter visto em Lula uma tábua de salvação em mar bravio. Bem faz a diplomacia brasileira ao recomendar cautela e caldo de galinha ante o ato do Laranjão, que pensa estar no palco de um teatro em que é o único ator e tudo pode.
A ver os próximos capítulos de tão súbita e inusitada paixão.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e, às vezes, embasbacado com a cena local e mundial.
24/9/2025
