Remédios

Dona Damares está muito preocupada. Não vai ter ninguém para dar o remédio do intestino pra ele na cadeia e, aos 70 anos de idade, é uma pessoa idosa e, como todo idoso, muito esquecida. Não vai tomar os remédios direito e vai morrer. 

Dona Damares, sempre dramática, faz tempestade em copo d’água. Eu tenho 79 e sei como é que é. A gente não fica esquecido, não. A não ser que tenha algum problema grave, mas grave mesmo, como Alzheimer, DFT (a doença do Bruce Willis, Demência Fronto Temporal), isquemia cerebral, meningite meningocócica (para essa já tem vacina, mas ele é contra, né?). 

Essas coisas, muito sérias, afetam os centros da memória. Mas dor de barriga, posso garantir a dona Damares, não apaga a memória de ninguém. Pelo contrário. A dor das cólicas nunca se esquece! 

No recesso de seu novo lar, não tendo mais o que fazer a não ser cumprir sua pena, ele deverá criar outros hábitos para passar o tempo, e um deles, muito saudável, é o de tomar os remédios na hora certa. 

Eu faço assim: na mesa do café da manhã, que já está posta desde a noite anterior, ponho minha caixinha de comprimidos para pressão junto da xícara do chá (não tomo café por causa da dita pressão). A caixa, de plástico transparente, é dividida em 7 cubículos, cada um com uma tampinha com o dia da semana, um cubículo para cada dia. Assim, nunca me perco. 

Todo domingo eu recarrego a caixinha e é muito divertido ficar abrindo e fechando as tampinhas — o manuseio produz estalos que parecem tiros de arma de fogo. Tá-tá-tá-tá-tá! Ouviu? Não é uma maravilha? Ele vai gostar. Garanto que vai ficar ainda mais divertido se tiver mais comprimidos de outros remédios para tomar. Como, por exemplo, para soluços e ânsias de vômito. Abra e feche as tampinhas toda vez que puser um comprimido lá dentro e veja se não tenho razão. É um tiroteio saudável, desses que não matam ninguém. Só fazem bem à saúde! Tá-tá-tá-rá-tá-tá-tá-rá-tá-tá-tá! Não é uma maravilha? 

No almoço não tenho nada para tomar, a não ser água saborizada que eu mesmo preparo com chás aromáticos, desses que se compram em supermercados, muito bons e sem contraindicações. Ele pode fazer um estoque na cela para nunca faltar. É só dona Micheque e dona Damares não esquecerem de levar um carregamento nos dias de visita. O que sobrar, ele pode distribuir entre os demais reclusos. Assim, interage e faz amizades, o que é muito bom para o espírito. (Ops, a sra. é evangélica e não acredita em espíritos. Não quis ofendê-la. Reformulo para “o moral do presidiário”. Tá bom assim?)

No lanche da tarde também não preciso tomar comprimidos. Mas no jantar tenho que tomar o segundo e último do dia para a pressão. Abro a caixinha e, voilá, tomo-o. 

Mais um dia se foi. E ele pode marcar com um x na parede. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e sempre disposto a dar bons conselhos nesta altura da vida, não importa a quem, a hora e o local. 

14/9/2025

 

 

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