Aos olhos do jornalista aposentado que escreve estas mal traçadas, a defesa do Inominável, ex-Imbroxável e, logo mais, Imprestável presidiário, só ficaria satisfeita com a culpa de seu cliente se ele tivesse assinado com firma reconhecida a minuta do golpe e o roteiro de assassinatos do plano Punhal Verde Amarelo.
É o que deduzo de sua insistência em desqualificar, na manhã desta quarta-feira, perante a Suprema Corte do Judiciário brasileiro, as provas encontradas em laptops e celulares mil pela Polícia Federal nas investigações sobre o golpe de estado tentado por agentes do mesmo estado contra nossa democracia.
A defesa também ficaria muito satisfeita se o então ajudante de ordens de seu cliente não fosse tão descuidado ao cúmulo de guardar provas do crime em seus aparelhos eletrônicos. De fato, a coisa toda está lá para quem quiser ler e, em alguns tópicos, ouvir. Helás!
O nobre causídico insinuou que prova em aparelho telefônico digital não vale porque, além de não ter assinatura passada em cartório, não está escrita preto no branco, isto é, em papel. É algo, digamos, virtual, sem autoria declarada, sem existência física e, portanto, irreal. Em outras palavras, coisa do outro mundo!
Bem, eu não sou tão descrédulo das coisas do outro mundo. Acredito que estamos vinculados de alguma forma aos mundos imateriais que nos cercam e nos condicionam nesta dura vida material.
Por isso mesmo, não vejo muita diferença entre o que é material e o que é virtual. Para mim, o virtual não passa de um avanço tecnológico que nos permitiu, no caso, aposentar a velha e cansada máquina de escrever mecânica, já posta de lado pela máquina de escrever elétrica, no último quarto do século passado.
Mas durante pelo menos um século prestou bons serviços à imprensa, à literatura, aos contratos, aos cartórios e uma infinidade de outras necessidades, públicas ou privadas.
Aos interessados na referida engenhoca, tenho uma para mostrar com prazer aqui em meu museu doméstico. Está devidamente lubrificada, com inebriante cheiro de nova e teclas impecáveis, bastando-se colocar a folha de papel branco imaculado em seu rolo metálico negro que ela sai escrevendo com a mesma rapidez que as pontas dos dedos acionam seu teclado. Só é preciso que coloquemos uma fita vermelho e preto no alojamento apropriado e, voilá, o papel registra bonitinho, em preto ou vermelho, como se quiser, o que acabamos de dedilhar.
Para culminar, não precisa de impressora, eis que ela se imprime a si mesma! Um verdadeiro legado da inteligência e da indústria humana! Sem mais geringonças que as hastes e bracinhos metálicos que se encontram em suas entranhas — visíveis, porém, ao olhar atento do datilógrafo. A qualquer enguiço, não era preciso chamar um técnico especializado para remediar o defeito, como hoje nas modernas impressoras a laser, pois bastava desenganchar os ferrinhos que, vez por outra, se engalfinhavam em alguma palavra mal escrita por mãos não tão hábeis no manejo do artefato.
Mas, tirante as qualidades e defeitos do excelso invento, me parece que é o que o nobre defensor do Inominável gostaria que a PF tivesse encontrado com o indigitado estafeta presidencial para dar credibilidade aos documentos achados. Do contrário, nada feito, é tudo inválido e imprestável.
Trata-se, portanto, da opinião de um radical do Velho mundo ante as inovações tecnológicas do Novo mundo.
Não creio que sua verve irá prosperar perante a Corte, que deve pronunciar seu veredicto até sexta-feira da semana que vem, em cima de fatos e evidências, não de teorias vizinhas ao terraplanismo professado pelos luminares do movimento golpista — vitorioso em 2018 e agora submetido ao rigor dos tribunais por tentar se agarrar a força à cadeira presidencial perdida em eleição livre e democrática.
No entanto, o mais grave no arrazoado do defensor é o sinal de que o argumento jurídico perde relevância para o palavreado meramente retórico, dando a entender que a verdadeira batalha contra o autoritarismo golpista será travada no Congresso Nacional, onde as forças do atraso se arregimentam para votar, com expressiva representação, o estupro da anistia.
Trata-se de um novo golpe em preparação contra a democracia e o cerne da Constituição de 88, que não admite a impunidade de quem contra ela atente, agora sob o verniz de uma pacificação política cínica, para livrar o chefe da cadeia.
Pacificação, cá entre nós, é um processo que se dá entre duas partes, o ofensor e o agredido, e poderia ser empreendida se o benefício fosse compartilhado igualmente entre as duas partes. Mas, afinal, ao fim e ao cabo, que benefício teria a democracia ultrajada dando o perdão e o esquecimento aos seus infames agressores?
Vou no popular: pau neles é o melhor remédio!
Anistia, jamais!
Nelson Merlin é jornalista aposentado que aprendeu, na profissão, a fazer perguntas nem sempre respondidas pelos perguntados.
3/9/2025
