Já contei essa história nas redes sociais há muito tempo mas acho que vale a pena recontar no dia em que o Brasil se despede de um dos nossos maiores escritores.
Não posso precisar exatamente quando aconteceu, não sou muito boa em datas, mal me lembro do ano do meu nascimento (deve ser mecanismo de defesa), mas grandes momentos não precisam ter uma data específica para serem lembrados. E esta história é, de fato, inesquecível.
Vou começar falando do nosso grande e querido amigo Reali Júnior, que foi companheiro de trabalho do meu falecido marido Sandro Vaia, no Grupo Estado. Jornalista de renome, acabou indo pra Paris pra ser correspondente internacional da Rádio Panamericana, antes de ela virar a Jovem Pan porta-voz da direita aqui no Brasil.
Uma vez por ano, Realinho vinha ao Brasil fazer check-up com seu médico, visitar parentes e amigos. Algumas vezes sozinho, outras acompanhado pela esposa Amelinha.
Antes de vir ele me ligava pra marcar um almoço em casa e “encomendar” os pratos de que ele mais gostava. Tinha ano em que me pedia dobradinha (cá entre nós, modestamente, a minha é de lamber os beiços), noutro pedia o vatapá que ele dizia ser igual ao da avó que viveu no sertão da Bahia, e, na maioria das vezes, sugeria o carro-chefe dos nossos encontros anuais: codorna em molho com polenta.
Numa dessas vezes em que pediu a codorna, perguntou antes se podia levar junto um casal amigo seu que também estaria em São Paulo naquele dia.
Claro que pode, Reali. Amigos seus já são amigos nossos também, respondi de pronto.
E ele: ótimo! O avião do Luis Fernando e da Lúcia chega às 11h em Cumbica. Passo lá para pegá-los e vamos direto pra Jundiaí.
Eu continuei na minha. Fui fazer os adiantamentos para o dia seguinte, preparei uns antepastos, lavei os pratos e talheres que só saem do armário no Natal ou quando tem visita, conferi se a toalha de mesa que tinha trazido de Ronda, na Espanha, estava em ordem… Enfim, aquelas coisas que a gente faz pra proporcionar o melhor para um querido que nos visita.
No dia seguinte o Sandro se ofereceu para ir buscar os convidados no aeroporto. Pegou primeiro o Reali em São Paulo e juntos foram para Guarulhos. Eu em casa, só nos finalmentes, quando o Sandro me liga pra contar que o tal Luis Fernando era o mais Verissimo possível, acompanhado da sua mulher Lúcia Verissimo. Quase caí durinha pra trás.
Passado o primeiro susto, acontece o segundo quando eles chegam em casa. Abro a porta da sala e me deparo com os recém-chegados e, junto, uma visita inesperada: Um calango deitadinho na soleira da porta. Era pequeno mas, pra mim, parecia um jacaré. Eu do lado de dentro berrando pro bicho sair de lá, como se fosse um cachorro obediente, e eles esperando a brecha pra adentrar na casa. Depois de um corre-corre consegui varrer o assustador animal para o jardim.
Bom, todos já dentro, rimos da situação e, em pensamento, agradeci ao calango que acabou, de uma maneira ou de outra, quebrando o gelo de um momento que poderia ter sido muito formal. Afinal, não é todo dia que se recebe pessoa tão ilustre em casa.
Mas nada foi formal. Todos comemos e nos lambuzamos com as codorninhas, enquanto rolava um papo de alto nível, regado a muito vinho bom.
Da sala de jantar, fomos para o licor na sala de estar. Reali, como era da casa, se deitou num sofá de dois lugares, eu e o Sandro nos sentamos nas poltronas e o casal se sentou no sofá de três lugares. Nesse momento tive a certeza de que tudo tinha corrido na maior informalidade possível, como se nos conhecêssemos desde criancinhas. Luis Fernando descobriu o mecanismo na lateral, puxou e aproveitou todo o conforto de um sofá reclinável, degustando seu licor com as pernas esticadas.
Já era noite fechada quando partiram. Agradeci a visita e recebi elogios da Lúcia. Ela me disse que estava tudo tão bom que o Luis Fernando se deliciou até com a ervilha, leguminosa essa que ele detestava. (Ainda bem que não soube disso antes. Teria me dado um trabalho enorme tirar uma a uma do molho.)
Momentos como esse serão lembrados para sempre. Pena que o Reali, o Sandro e o Luis Fernando não estejam mais aqui pra relembrar com a gente.
Hoje foi o dia de o nosso Analista de Bagé partir rumo ao Clube dos Anjos.
Siga em paz, Luis Fernando.
30/8/2025


Maravilhoso texto Vera. Quase senti o gostinho da codorna