O jornalista Josias de Souza, colunista do UOL, acertou na moleira do general golpista que, ontem, confessou ser o autor do plano Punhal Verde Amarelo, para matar Lula, Alckmin e Xandão antes da posse dos eleitos em 2022.
No entanto, tenho uma divergência. Josias diz que o general golpista subverteu o cógito cartesiano, o famoso “penso, logo existo”, por transformar a sentença em “penso, logo não existo”, dado o teor escalafobético da “explicação” que o general deu sobre a origem do texto com a tramóia assassina inscrito no dito Punhal.
Quero dizer que Descartes foi invertido pelo general de outra forma. Não é “Penso, logo não existo”, como escreveu Josias. Mas “Não penso, logo existo”!
O general diz que pensou, só que na verdade pensa que pensou, tão distante está da normalidade dos vis mortais. Portanto, não pensou genuinamente. A coisa veio, foi entrando cabeça a dentro e caiu no repositório (não confundir com supositório) de seus pensamentos.
Pensou no golpe dessa forma, mas o seu pensar foi o mesmo de uma ameba antes de virar gente. Isto é, não era um pensar de verdade, era só um pré-pensar (de jerico, digo eu, sem querer ofender o simpático e inteligentíssimo animal) e — sem saber por quê — o pré-pensamento resultante do ato de pré-pensar digitalizou-se sem mais pensar e foi parar na impressora do Palácio do Planalto, onde reproduziu-se por geração espontânea em duas ou três cópias impressas — ele não lembra bem. E uma das cópias encaminhou-se trefegamente a outro palácio, o da Alvorada, onde foi cair justo nas mãos súplices do presidente de plantão, embarafustado, igualmente, em pré-pensamentos sobre como não entregar a rapadura a quem de direito.
Foi assim que aconteceu, deduzo eu do que li do depoimento do general Mário Fernandes ao juiz (haja paciência desses juízes auxiliares!), encarregado de ouvi-lo para cumprir tabela.
Penso eu com meus botões que é preciso ter coragem para dizer isso a um juiz, mesmo que não tenha sido tête-à-tête, mas por vídeo conferência. Eita general valente!
Disse que seu pré-pensamento foi só dele e mais ninguém. Disse também que leu, certamente embevecido de sua tramóia, uma das cópias e rasgou a outra ou as outras. Depois, rasgou aquela também. Só não explicou como é que a Polícia Federal encontrou a cópia numa gaveta e o texto digitalizado no laptop do confuso general.
Falha que deve ser atribuída ao juiz auxiliar que o ouvia e não perguntou, certamente abatido pelo assombro e o cansaço. Fosse num pau-de-arara, de que tanto gostam, contava tudo sem nem ser perguntado, mas estamos numa democracia e o pau-de-arara é só um caminhão de transporte de migrantes nordestinos para o Sul maravilha.
No entanto, eles não se cansam de dizer que esta democracia é uma ditadura feroz. Tem seus defeitos, reconheço, e um dos piores é permitir que amebas não pensantes se candidatem em eleições como se fossem gente existente.
No entanto, é melhor que a dos States, de que tanto gostam e que tanto nos aflige agora e cujo presidente foi empossado mesmo após condenado em processo por escândalo sexual com sentença transitada em julgado. E outro já está a caminho, com fotos, sorrisos e beijinhos.
Lá pode. Aqui não.
Bendita lei da ficha limpa, que uma turba de políticos da extrema direita daqui chamam de maldita e querem ver pelas costas.
Não pensam, logo existem. Se pensassem, não existiriam. É o meu silogismo, com licença ao Josias e ao genial matemático, físico e filósofo francês do século 17.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e leitor, nas horas vagas, de boas crônicas jornalísticas e obras de filósofos antigos, com os quais aprendemos a viver melhor, na pobreza ou na fortuna, até que a morte nos leve a outras moradas.
25/7/2025
