A economia vai bem, o que vai mal é a política.
O governo Lula cumpriu a meta fiscal de 2024, fechando o ano com déficit de 0,09% do PIB (R$ 11 bi) — coisa em que a Faria Lama e outros centros financeiros ou não da pátria amada jamais acreditaram — , e ainda por cima, bem distante da tolerância legal de 0,25% do PIB (R$ 27,7 bi).
A economia cresceu quase 4% (o número oficial sai em março), coisa que não acontecia há anos.
A taxa de desemprego caiu a 6,1%, coisa inédita em nossa história.
A arrecadação tributária bateu recorde histórico, alcançando mais de 2,7 trilhões de reais (2,1 tri líquidos), sem aumento ou criação de impostos, à exceção da taxa das “blusinhas”, onde a sonegação corria solta, para alegria da classe média. Com a cobrança de ingresso na festa, a Receita Federal recolheu significativos 2 bilhões de reais, para se ter uma ideia da “inocência” das blusinhas. Isso cobrando uma taxinha de R$ 10 sobre as comprinhas de R$ 50.
A despesa, por sua vez, caiu em relação a 2023. Foi para 2,205 trilhões de reais, queda real de 0,7% em relação a 2023, contaminado pela gastança desbragada do ex-capitão expulso do Exército, desesperado em se reeleger para não ser preso mais adiante (como vai acontecer, inexoravelmente, este ano).
Não teve o devido destaque na mídia a retirada de 24,4 milhões de pessoas do mapa da fome, entre 2023 e 2024. O Pé de Meia atendeu 4 milhões de estudantes, o Minha Casa Minha Vida contratou a construção de 1,2 milhão de casas, o Mais Médicos cresceu para 27 mil médicos em todo o país, a Farmácia Popular atendeu 44 milhões de pessoas com remédios gratuitos, e o Brasil não está mais no rol dos 20 países com mais crianças não vacinadas no mundo.
São dados a que todos podem ter acesso em agenciagov.ebc.com.br, inclusive jornais, emissoras de rádio e televisão, sites de notícias etc.
Um único dado, vindo do Ministério da Fazenda, destoou amargamente: a inflação do ano furou o teto da meta, indo a 4,83% — um miserável terço de ponto percentual acima do teto de 4,5% —, mas a dos alimentos chegou perto de 9%, num ano de incêndios florestais criminiosos e catastróficos que cobriram de fumaça o país inteiro, secas que atingiram 59% do território nacional, além de uma enchente diluviana no Rio Grande do Sul. São calamidades que têm de ser levadas em conta porque jogaram os preços para cima — fora a alta do dólar no mundo inteiro.
No entanto, a inflação foi a metade do que se verificou no mesmo período do governo passado — e ninguém da mídia e da Faria Lama reclamou dela, à época.
Aliás, não é ela que está descontrolada, como leio e ouço por aí, mas o crescimento econômico! Sim, não podíamos estar crescendo a a quase 4%, mas abaixo de 3%, para não pressionar tanto os preços. Temos que ir mais devagar.
A alta dos alimentos denota uma economia ainda pouco aberta ao exterior, e o único remédio que temos é reduzir o consumo desses e de outros produtos com o aumento dos juros. Não é importar o que está caro internamente — como se faz no mundo inteiro —, mas aumentar o custo de vida pelos juros, que são um desastre porque espalham chumbo por toda a economia, indistintamente.
Em resumo, crescemos demais em 2024 e — danação! — colhemos além do trigo o joio: inflação e juro alto. Mas nada que não se possa superar com mais produção, mais produtividade, mais investimentos (empacados há anos em 17% do PIB, quando já tivemos 25%).
Agora, vamos à política. Quanta diferença!
Na sua definição clássica, a política é o fórum para discutir os rumos da sociedade — ou da polis, a Cidade, como a chamavam os cidadãos da Grécia antiga.
O que tem feito a política no Brasil para pensar — e agir — na direção do futuro? Nada. Nada vezes nada.
Esquerda e direita só estão olhando para o passado. A esquerda sonhando em repetir Lula 1 (que entrou em janeiro de 2003) e Lula 2 (que saiu em 31 de dezembro de 2010). Façam as contas: são de 15 a 22 anos atrás! Esquece que o passado se foi há tempos e o presente impõe novos desafios.
Não basta mais reajustar o salário mínimo acima da inflação, como nos dois últimos anos e em todos os anos do PT no poder. O salário mínimo não dá pra nada.
Não basta abrir o crédito às classes populares, como se está pensando, porque mesmo com juro mais baixo esse crédito vai endividar, e não emancipar, o proletariado. O crédito facilitado — nos moldes do atual consignado — seria bem vindo se o salário mínimo fosse 3 a 4 vezes maior, como deveria ser pelos cálculos do Dieese. Aí daria para pagar a conta.
Não basta fazer o Pé de Meia se a evasão escolar vem da miséria das famílias, que precisam de seus filhos para o sustento da casa — um barraco na periferia com condições indignas até mesmo para animais.
Não basta o Minha Casa Minha Vida, criação do PT que é um belo programa social, enquanto o salário das famílias continua sem chegar até o fim do mês.
Viver de glórias do passado é paralisante. Tem gosto de comida fria, quando o povo quer comida quente. O Gás para Todos, programa que ainda está no forno, é novidade e pode ser outro belo programa social. Equivale, na prática, a um aumento do salário mínimo. Será uma conquista e tanto, mas o povo continuará com o salário defasado em pelo menos 200%!
Sabemos que não é fácil aumentar o mínimo. João Goulart, um fazendeiro rico, mas com espírito de líder sindical, caiu do Ministério do Trabalho no governo Vargas, anos 50, porque aumentou o salário mínimo em 100% de uma só penada. Eita!
A burguesia nacional pediu sua cabeça e Vargas entregou-a aos porcos. Dez anos depois, os milicos terminariam o serviço, ao acusá-lo de comunista porque o fazendeiro queria fazer a reforma agrária!
Jango incomodava demais com suas ideias “tortas”. Foi para o exílio, o salário mínimo indigente continuou até hoje e a reforma agrária nunca saiu do papel. E o Brasil continuou deitado em berço esplêndido, impávido e colosso.
Assim canta até hoje a burguesia da indústria e do agro, de braço com os milicos, todos vivendo a vida por cima da carne seca.
O atual governo de esquerda sequer consegue seguir os passos do fazendeiro de São Borja dos anos 50. É para esse passado que a esquerda tem que olhar. Lá estão as raizes das nossas mazelas. Os feitos dos anos 2000 deram brilhos às folhas, mas não mudaram nossas árvores.
É hora de Lula, no meio de seu terceiro mandato, retomar o caminho perdido da esquerda. Reinventá-la se for preciso. Mas cadê as ideias? Cadê as novas bandeiras? Cadê os velhos companheiros? É preciso uma enxurrada de ideias e novas bandeiras, uma nova leva de jovens companheiros.
Um governo de esquerda não governa com a direita, e muito menos com viúvas da extrema direita. É vinho aguado, café frio e comida gelada. Esses também só olham para trás, para o golpismo militar que começou destituindo a monarquia no século 19 e derrubou governos legitimamente constituídos no século 20. Olham para repetir como farsa a arrogância, o terror, a violência dos gorilas. E quando olham para o presente é para encher as burras de dinheiro (com as emendas parlamentares e outras vantagens).
Querem de novo a ditadura que os fez felizes, outrora. Com a censura calando a imprensa e a oposição. São tempos que também não voltam mais. A tortura, os assassinatos, as prisões ilegais, os expurgos, todo esse desmazelo proscrito os deixa orgulhosos. E para arrematar com um cravo na lapela do defunto querem a anistia aos golpistas do 8/1 para ressuscitar politicamente o chefe do golpe.
O que querem para o país? Nada, a não ser a volta da antivacina, da homofobia, do orçamento secreto, do peculato das rachadinhas, da impunidade, do roubo das verbas públicas pelas emendas parlamentares da direita.
E querem também de volta ao poder um ex-capitão que o próprio Exército expulsou e o país carregou por quatro anos com a inflação dos alimentos duas vezes maior que a atual — 4,36% na média dos dois últimos anos, contra 8,24% ao ano no governo da extrema direita. E contra aquela a burguesia financeira corrupta nunca disse um ai.
E como não olham para o futuro, vem aí uma supersafra recorde dos recordes, capaz de derrubar o que resta da inflação bolsonarista. Em paralelo, vem aí também uma pena de até 48 anos de cadeia para o chefe, quer esperneie mais ou menos, quer o Trump e o Musk façam beicinho ou não.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e achando que as coisas ainda podem dar certo.
25/2/2025
Excelente análise, Merlin. Arrepiante, mas essencial.
Corrijo: http://www.ovaradouro.com.br