Na semana que antecede o segundo turno das eleições, Jair Bolsonaro é acometido de uma crise existencial durante um culto em São Paulo, onde foi dar apoio ao candidato Ricardo Nunes, e declara: “Às vezes me pergunto quem eu sou, onde estou e para onde vou, e a vida deixa marcas na alma e no corpo da gente. Todo dia me levanto, faço um Pai Nosso e peço que nosso povo não experimente as dores do comunismo”.
Oh, quantas dúvidas, seu Jair. Mas não se preocupe. Talvez possamos ajudá-lo com as respostas. Vamos começar pela primeira pergunta:
Quem eu sou?
Vamos lá: Com base em sua biografia vou lembrar aqui quem é o senhor:
* As primeiras notícias sobre sua pessoa vieram a público em 1987 quando tentou explodir o quartel no qual servia, em protesto contra os baixos salários. Acabou sendo preso por indisciplina e deslealdade.
* Em 1990 foi eleito deputado federal, o primeiro dos 7 mandatos exercidos. Foram 28 anos de um dolce far niente, com apenas um projeto aprovado, mas já praticando a rachadinha que lhe rendeu milhões e que, por ser tão vantajosa, ensinou a prática aos filhos, que também enriqueceram ilicitamente. Durante esse período se destacou em plenário quando quis mostrar todo o seu amor pelo torturador da ditadura militar, o coronel Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, órgão encarregado de dar “um trato” nos presos políticos. (Os parentes dos torturados, muitos deles desaparecidos até hoje, também deviam fazer um Pai Nosso todos os dias para que seus entes queridos não experimentassem a dor do “não comunismo” praticada por esse verme que se deliciava com as barbaridades praticadas contra os prisioneiros.)
* Em 2019 foi eleito presidente da República e como tal botou as manguinhas de fora e fez questão de expor sua total falta de caráter em relação à pandemia da Covid. Não adquiriu as vacinas tão logo a doença começou a se espalhar, porque era um negacionista. E, pior, fez com que uma boa parte da população acreditasse que poderia virar jacaré se fosse vacinada (isso acabou fazendo um estrago, que perdura até hoje, nos programas de vacinação do governo, que era considerado o melhor do mundo antes de botar seu dedo podre nele). Tripudiou sobre os doentes que estavam morrendo de falta de ar, fazendo imitações grotescas em live de um paciente agonizando, sem conseguir respirar. Quando cobrado sobre a quantidade absurda de mortes pela Covid, respondia: E daí? Não sou coveiro! Gastou uma fortuna do nosso dinheiro mandando fabricar a tal cloroquina que não servia para a doença, e que, muito pelo contrário, ajudava a matar mais rapidamente quem adotava a prescrição do “dr. Jair”. (Vide os casos de mortes por baciada no Hospital da Prevent Sênior, em São Pauloi, que abraçou a ideia). Como se não bastasse não se importar com a vida humana, o senhor mostrou também que não estar nem aí com a natureza. Sob sua batuta, seu cupincha, digo ministro, Ricardo Salles, defendeu “passar a boiada”, mudando as regras de proteção ao meio-ambiente, aproveitando a distração da midia. Mais tarde realizou seu sonho, o de armar a população até os dentes, sem se preocupar em que mãos iriam parar essas armas. Estamos vendo agora o resultado de mais essa insanidade. Mas o senhor ainda tinha mais o que mostrar. Arquitetou um plano diabólico para tomar o poder definitivamente, implantando sua própria ditadura, às custas de crédulos que se humilharam durante o ato, enquanto o senhor estava no bembão em Miami, assistindo de camarote. Hoje muitos estão vendo o sol nascer quadrado. (E vão ver merecidamente por muito tempo ainda. Rasgar a Constituição é crime e não é dos fraquinhos, não!)
Onde estou?
No mesmo mar de lama por onde o senhor costuma chafurdar. Inelegível, percorrendo cidades com seu painho Valdemar da Costa Neto a tiracolo, numa tentativa de manter vivo o mito do Mito, de tentar convencer os incautos de que o senhor é um exemplo a ser seguido. Com algum sucesso, aliás. Infelizmente consegue fazer com que muitos ainda o sigam por esse caminho sujo de corrupção e de mau-caratismo. (Nem sei por que a gente ainda se surpreende com isso. Essa sujeirada já virou normalidade no mundo político, seja por parte da direita ou da esquerda.)
Para onde vou?
Se depender de mim, dos parentes dos milhares de mortos pela Covid e de mais da metade da população, que se sente injuriada por tanta mentira e tanto malfeito cometidos ao longo desses quatro anos na Presidência, o senhor pode ir pra…
(Mando ou não mando?)
Nota do administrador: Manda, sim! Manda!
Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 25/10/2024.