Ninguém dá bola para vereador

O Brasil chega às eleições municipais deste domingo reincidindo no erro de sempre: ninguém dá bola para vereadores. O eleitor não sabe em quem votar e depois que vota não se lembra em quem votou. O pouco caso com essa primeira etapa, a da vereança, produz parlamentos locais pífios, comprometendo a base da democracia representativa e, consequentemente, todo o sistema político. É como desejar obter PhD sem alfabetização.  

Exatos 431.999 candidatos disputam uma das 58.444 vagas para câmaras municipais nas 5.569 cidades brasileiras. Nas pequenas comunidades, onde o eleitor esbarra na rua com os candidatos a prefeito e a vereador, o parlamento local ainda consegue espelhar a população. Mas quanto maior o município, mais distante fica o representado do representante. Sem vínculo algum, o eleitor vota em um candidato qualquer.

Pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira, 48 horas antes do pleito, apontou que 54% dos eleitores de São Paulo, maior colégio eleitoral do país, ainda não tinham candidato para a Câmara Municipal. No Rio, metade dos entrevistados disse não saber em quem confiar o voto e em Belo Horizonte 52%. Dias antes, o instituto já havia demonstrado que 56% dos eleitores paulistanos não lembravam da escolha feita em 2020.

Explicar o desinteresse por vereadores pela centralização das atenções nos candidatos a prefeito é simplista. Ainda que o debate em torno da disputa majoritária seja bem mais sedutor, se o sistema eleitoral fosse distrital, com postulantes de uma região específica, a proximidade eleitor-candidato aconteceria. Na verdade, os distritos seriam como pequenas cidades, com candidatos obrigados a fazer política local, dedicada aos moradores daquela região. Não à toa, boa parte das democracias maduras do mundo adota este sistema.

Por aqui, a possibilidade de distritalização da eleição é próxima de zero (é menor do que zero, mas não custa manter alguma esperança). Isso porque a distância do eleitor interessa aos que já têm mandato nas câmaras municipais, nas assembleias e no Congresso, ao qual caberia a alteração. Melhorar a representação piora o bolso dos atuais parlamentares — que com orçamentos secretos e emendas Pix se tornaram vereadores federais — e mina o poder dos caciques de indicar seus candidatos preferidos. Além de atingir feudos familiares. Jair Renan Bolsonaro, quarto rebento do ex a disputar eleições, carioca que caiu do céu para ser candidato em Camboriú (SC), está aí para provar.

Sem distrital, as câmaras municipais continuarão sendo instâncias menores, distantes do eleitor, e com baixa renovação. Mas vão cumprir direitinho o papel de reforçar a base dos políticos de sempre e das maiores agremiações.

Como ocorre há anos, o MDB lidera a disputa deste domingo com mais de 40.800 candidatos a vereador. Tem também a maior quantidade de candidatos a prefeito: 1.926. Em segundo lugar no ranking está o PP, com 36.952 candidatos a vereador, mas perde para o PSD em número de postulantes à prefeitura. O PP tem 1.501 candidatos a prefeito e o PSD 1.751.

O PT do presidente Lula tem 1.412 candidatos a prefeito e 27.385 à vereança, e o PL do ex Bolsonaro 1.499 postulantes majoritários e 33.028 candidatos às câmaras municipais. Mas ambos estão comendo picadinho nas grandes cidades, com dificuldades em seus próprios colégios eleitorais, São Paulo e Rio de Janeiro, ainda que Lula tenha mais chances com Guilherme Boulos (Psol) do que Bolsonaro com Alexandre Ramagem (PL).

Sobre vereadores pouco se fala. Os candidatos a prefeito nem se dão ao trabalho de explicar a importância de escolher bem o representante para a Câmara Municipal. No máximo, os candidatos a vereador falam uma frase de efeito, o nome e o número do postulante a prefeito do partido que está bancando a conta, em takes de segundos no horário eleitoral obrigatório de rádio e televisão. Tudo muito parecido com o que se via na propaganda dos tempos da ditadura militar.

Com candidatos a rodo e sem distritalização, é impossível abrir espaço na mídia para que o eleitor conheça as centenas de concorrentes. Os jornais até tentam. Publicam listagens e, nos sites noticiosos, pequenos perfis de candidatos acessados via links ou QR code.

O fato é que nosso sistema proporcional impede a aproximação entre o representante e representado, condenando o eleitor a votar no escuro. Passa da hora de tirar a venda.

E fica a dica: guarde a cola do número do vereador para não se esquecer dele daqui a alguns meses. Um bom voto a todos.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 6/10/2024. 

Um comentário para “Ninguém dá bola para vereador”

  1. Esse texto de Mary Zaidan é uma preciosidade. Mostra uma realidade importante que deveria estar em destaque nos jornalões e na tevê mas simplesmente é ignorada. Tirem a venda!

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