A poderosa Federação Única dos Petroleiros sempre teve forte influência nos governos petistas em relação aos rumos da Petrobras. Com acesso direto ao gabinete presidencial e umbilicalmente ligada ao Partido dos Trabalhadores, dava várias cartas. E um veto da FUP poderia inviabilizar nomeações de diretores e gerentes da estatal ou mesmo provocar demissões na estrutura de comando. Esse poder foi interrompido com o escândalo do petrolão.
A Lei das Estatais de 2016, criada para combater a corrupção e gerar um ambiente mais seguro e transparente para as operações das empresas estatais no Brasil, bem como um novo sistema de compliance, blindaram a Petrobras de ingerências e nomeações políticas. O novo arranjo institucional foi fundamental para a recuperação e saneamento financeiro da companhia, na época a petroleira mais endividada do mundo. Sua situação caótica deveu-se ao loteamento político, à corrupção e a investimentos daninhos ao interesse nacional, como a compra da refinaria Pasadena e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro.
A Lei das Estatais instituiu travas que também foram capazes de resistir às incursões de Jair Bolsonaro para nomear gestores comprometidos com a alteração da política de preços dos combustíveis ou para colocar aliados em áreas estratégicas da petroleira.
O passado parecia soterrado. Mas não estava. Volta agora no terceiro governo Lula, com a FUP cobrando demissões em diretorias da Petrobras, sob o argumento de que dois gerentes “seriam bolsonaristas”. A incursão da FUP é a ponta do iceberg de um processo bem mais amplo de desconstrução do arcabouço responsável por livrar a petroleira de injunções políticas e do assalto ao seu patrimônio.
No final de outubro, a diretoria retirou do estatuto da empresa artigos que proibiam indicações políticas para seu quadro de gestores. Tais artigos já faziam parte da Lei das Estatais, mas a empresa decidiu inseri-los em suas normas para reforçar sua proteção em relação à voracidade de parlamentares, dirigentes partidários, sindicalistas e empresários. Sem essas restrições, até mesmo fornecedores e consultores poderiam ocupar postos de mando, mesmo em casos evidentes de conflito de interesses.
A porteira da Petrobrás já tinha sido escancarada em março, quando o então ministro do STF Ricardo Lewandowski concedeu uma liminar suspendendo a Lei das Estatais. O ministro estava às vésperas de sua aposentadoria. Amigo íntimo de Lula, foi o mais fiel aliado do presidente no STF, em todos os seus mandatos. Sua decisão atendeu a um pedido do PC do B, aliado histórico de Lula e do PT. Lewandowski argumentou que a lei restringia direitos de políticos de serem nomeados para cargos em empresas estatais. Foi mais uma decisão monocrática a se arrastar, sem o pleno da Suprema Corte se pronunciar sobre o tema.
Inegavelmente, sua decisão monocrática caiu como uma luva para o mundo da política. Lula viu-se de mãos livres para nomear três conselheiros, cujas indicações são objeto de contestações na justiça, por ferir a Lei das Estatais. “Coincidentemente”, a alteração do estatuto da Petrobras para incorporar a liminar de Lewandowski atendeu a um pedido de um desses conselheiros contestados, Sérgio Rezende.
A possibilidade de a diretoria da Petrobras voltar a ser loteada entre os partidos da base governista é real. Depois de conquistar o controle da Caixa Econômica, o “Centrão” pleiteia agora uma diretoria da empresa. Não duvidem se for aquela que fura poços, objeto de desejo desde os tempos de Severino Cavalcanti.
Não se deve subestimar a avidez do Partido dos Trabalhadores para abocanhar cada vez mais nacos importantes do aparato estatal. A Petrobras é uma espécie de jóia da coroa. O PT já tem o presidente da empresa e vai querer ocupar novos espaços. A liminar Lewandowski aplainou o terreno para o restabelecimento da aliança entre sindicalistas, PT, partidos aliados e empresários ansiosos para voltar a mamar nas tetas da estatal. Esse bloco pariu o petrolão, como prova o livro A Organização, de Malu Gaspar.
Outros fantasmas do passado rondam a maior empresa brasileira. Seu presidente, Jean Paul Prates, promete lotar de obras os estaleiros nacionais, todos à beira da falência. É o retorno da velha política de instrumentalização da Petrobras, uma empresa de economia mista, com fins de turbinar políticas governamentais. O custo disso, como foi no passado, será a aquisição de navios e plataformas produzidas internamente por valores bem superiores aos praticados no mercado internacional, gerando prejuízos para seus acionistas.
Prates acena com uma nova versão da famigerada Sete Brasil, criada no segundo mandato de Lula por fundos de pensão, a própria Petrobras, bancos e empresários. Boa parte de seus diretores vinham do quadro de profissionais da petroleira. Entre eles um ficou famoso, Pedro Barusco. Braço direito do então diretor Renato Duque, operador do PT no escândalo do petrolão, Barusco admitiu seus crimes e devolveu US$ 100 milhões à Petrobras, em decorrência do acordo de sua delação premiada.
A Sete Brasil nasceu com um contrato biliardário com a Petrobras, de construir 28 sondas de última geração. Entregou pouquíssimas, apenas cinco entraram em operação. O contrato seria a salvação da lavoura para os estaleiros brasileiros. O governo vivia o delírio de “conteúdo nacional” nas compras da companhia. A Sete envolveu-se até a medula no escândalo do petrolão e em 2016 entrou em recuperação judicial, reconhecendo uma dívida de R$ 18 bilhões.
A Petrobrás saiu da Sete, mas não se livrou de seu carma. Há cinco anos seu Conselho debate se indeniza ou não a Sete Brasil. Em outubro, a Justiça do Rio de Janeiro abriu caminho para responsabilizar a estatal pelos prejuízos da Sete Brasil.
A idéia do presidente da Petrobras, amparada pelo governo Lula, embute a determinação de repetir erros do passado. O caldeirão que gerou o petrolão pode estar de volta.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 15/11/2023.