Oh, que delícia de governo!

O governo Lula deve ser muito bom. Nunca vi tanta gente querendo uma lasquinha na Esplanada dos Ministérios, principalmente dos partidos que até outro dia eram unha e carne com o agora inelegível. 

Tanto fizeram que já pegaram o Turismo e vão emplacar em agosto mais cadeiras cobiçadas no diverso e difuso ministério de Lula. E junto com elas vão também estatais apetitosas, como a finada Funasa, que será ressuscitada para ir ao colo do Centrão, esse partido sem nome que é a soma do baixo clero de uma dezena de outros, entre os quais nanicos mortos de fome. 

O PT mudou muito e também o seu chefe supremo. Nos idos de 1980/90, nem se podia falar em alianças com progressistas que a cúpula e a militância caiam matando em cima do ousado. Só o PT era progressista, o resto era a velha guarda acordista ou corrupta, simplesmente. 

Me encanta ver a Gleisi assistindo à quermesse de hoje com o semblante mais sério que o de madre superiora do Sion. Mas suspendo a minha lança, pois tudo é feito em nome da governabilidade e sem a tal ninguém governa. No entanto, eu ainda esperava certo comedimento. Talvez porque eu tenha a idade de um macaco velho e o otimismo de um velhote desarmado no meio de um tiroteio em filme de John Huston. 

Mas tomara que tudo acabe bem! O Haddad surpreende, a inflação está domada (só o BC bolsonarista não se convence, mas já dá sinais de que vai jogar a toalha), as expectativas sobre o PIB resistem ao baque de maio (ninguém esperava o tombo de 2%, e uma queda dessas em outros tempos dava uma pancadaria nacional, que não se viu agora), a reforma tributária avançou, o problema do Carf está resolvido, o arcabouço fiscal é dado como favas contadas. 

Mas tem pedrinhas no caminho. A reforma do Imposto de Renda e a tributação dos dividendos são algumas. A turma da Faria Lima não vai gostar — depois de ter levado a aprovação de Haddad às alturas de uma Apolo 11, que hoje faz 54 anos que desceu na Lua. Num piscar de olhos, saltou de 10% para 65% no maior reduto do bolsonarismo financeiro. 

Pode ser que a lua de mel acabe em briga de foice. Mas Haddad é maneiroso. Em entrevista a um jornal da grande imprensa escapou de uma pergunta que o classificava como socialista (o que é verdade) para dizer que o Congresso Nacional não terá a coragem de derrubar o projeto do novo IR e o dos Dividendos, porque os deputados não vão querer ver o povo morrendo de fome em ano eleitoral (o próximo, que já bate à porta), enquanto os ricos continuarão ainda mais ricos. 

Também acho que não ousarão. Mas, como já disse, sou macaco velho e posso perder mais uma. 

Agora saio de férias, que não sou de ferro, embora pareça… Volto em agosto. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e macaco velho. 

20/7/2023

 

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