Duas semanas depois da eleição, passa da hora de virar o disco. Tanto dos derrotados quanto dos vitoriosos. Ainda que poucos reclamem da ausência de Jair Bolsonaro, ao presidente da República não cabe sumiço total, por maior que seja sua ojeriza à labuta. E o lamento de seus fiéis, entre o surreal e o hilário, já deu. No caso de Luiz Inácio Lula da Silva, seria conveniente que o eleito e o seu eclético time tomassem tento: governo não é campanha, e transição é só o que a palavra exprime – transição.
Eleito a partir de forças muito além do petismo, Lula buscou incluir tudo e todos – com menos todas do que se esperava – na equipe de transição. Para amenizar os previsíveis conflitos de egos, espertamente nomeou o vice Geraldo Alckmin como coordenador dos trabalhos. Bem ao estilo das complexas (e quase sempre ineficientes) organizações de esquerda, criaram-se dezenas de grupos e subgrupos, com políticos de várias matizes e especialistas de diversas áreas. Mais de cinco dezenas, avisados previamente de que a participação não está vinculada a um ministério futuro.
Nem seria necessário um coletivo com tal peso político, intelectual e técnico para fazer frente à debilitada administração Bolsonaro. A equipe de transição sinalizou novos tempos desde a indicação dos primeiros integrantes. Os anúncios dos nomes foram feitos em conta-gotas, assegurando exposição diária na mídia, com especulações sobre cada um deles. De caso pensado ou não, o modelo afigurou-se como uma estratégia e tanto.
Paralelamente, criaram-se expectativas equivocadas, seja nas tarefas da equipe de transição, seja na figura do presidente eleito.
Olha-se para transição como se governo fosse. Não é. Tampouco cabe a uma equipe temporária elaborar programa de governo, que, se não foi feito antes, não o será agora. Transição reúne dados – algo que não será fácil conseguir da turma de Bolsonaro, que já reformatou computadores do Planalto sob a alegação de malware no sistema – e faz diagnósticos. Busca, a partir das informações coletadas, ver o tamanho do buraco, sugerir consertos para os erros e encontrar espaços para cumprir as promessas do eleito.
Quanto a Lula, criticadíssimo por ter feito, grosseira e erroneamente, pouco caso da “tal” responsabilidade fiscal, é importante se ter em foco que a aglutinação em torno dele se deu em nome da democracia, para derrotar Bolsonaro. Ninguém, nem Simone Tebet, que subiu nos palanques ao lado do petista, nem Pérsio Arida ou André Lara Resende, que integram o grupo de Economia da transição, imaginam um Lula liberal, cuja aversão ao teto de gastos foi exposta com todas as letras na campanha.
Desnecessárias, as declarações de Lula deixaram o mercado aflito por longas 24 horas. Na sexta-feira a Bolsa recuperou parte das perdas do dia anterior e o dólar voltou a cair, confirmando que as falas de Lula já foram precificadas há tempos. Sabe-se que ele manterá o tom populista, mas, como o fez em dois mandatos, obedecerá ao regramento fiscal – a bem de seu governo.
Menos efêmera do que o humor do mercado, a reação de alguns analistas apontava que, em uma única frase, Lula teria posto a perder a construção política plural que edificou. Besteira. O futuro presidente estaria lascado se o apoio a ele fosse minado por declarações inconvenientes. Como se sabe – e até os neo aliados sabem -, em se tratando de Lula, muitos ditos desse tipo virão.
Ainda que não causem prejuízo futuro, as pisadas de bola de Lula o fizeram perder tempo e aura. Criaram brechas adicionais para os opositores que, por sorte dele, com Bolsonaro escondido, não sabem o que fazer.
Bolsonaro não faz falta alguma, pode continuar na toca, mas Lula deveria descartar o seu velho e arranhado disco. Até porque não combina com a dimensão da vitória que teve. Na real, a música já é outra. Lula, que nesta semana será a estrela da COP27, ainda tem o tempo da transição para afinar os instrumentos antes da reestreia.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 13/11/2022.