Cerca de 23% dos nossos jovens são chamados de nem-nem. Nem estudam, nem trabalham. E 40% dos alunos do ensino médio não desejam fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Esse quadro dantesco tem muito a ver com o tipo do ensino fornecido a esse público por décadas e décadas.
O modelo – com um currículo desconectado da realidade dos jovens e enfadonho -, sempre foi indutor da evasão escolar, grande obstáculo para a aprendizagem. Deixá-lo para trás é condição imperativa para um futuro melhor dos nossos alunos. Isso implica em ofertar um ensino capaz de propiciar sua formação como cidadãos e profissionais integrados ao mercado de trabalho do século 21.
A reforma do ensino médio definida em 2017, no governo Michel Temer, veio para propiciar esse salto, colocando o Brasil em sintonia com as novas tendências educacionais em um mundo volátil, instável, complexo e ambíguo.
Com ela, a carga horária passou de 800 horas para 1.000 horas anuais e começaram a ser ofertados itinerários formativos para que os jovens sejam também protagonistas de sua formação e construam suas carreiras.
Em escala nacional, vivemos hoje um quadro onde o velho modelo está morrendo, mas o novo ainda não se afirmou plenamente. Natural surgir, nessa fase, receios e dúvidas e, até mesmo, novos problemas não previstos. Mas eles representam as dores do parto, e é prudente ter muito cuidado para não jogar a criança fora com a água da banheira.
São Paulo foi o primeiro Estado a implantar o Novo Ensino Médio, ainda em 2021, e em 100% de suas escolas no início do ano letivo em curso. É, portanto, o Estado onde o novo modelo mais avançou e onde há uma experiência a ser estudada, até para eventuais correções e aprimoramento.
Nota técnica da Repu – Rede Escola Pública e Universidade – sobre a experiência paulista, com base em dados apenas do primeiro bimestre deste ano, concluiu que o Novo Ensino Médio pode aumentar a desigualdade entre alunos em decorrência da falta de professores ou da pouca oferta de itinerários. Sugere também que o Novo Ensino Médio foi implantado de improviso.
Sem negar a seriedade da Repu, algumas ponderações se impõem. A primeira delas é o período abordado. Um bimestre é um espaço muito curto, não sendo possível se extrairem conclusões definitivas. Até porque, por estar em fase inicial de implantação, os dados estão em constante mutação.
Exemplo disso é a defasagem quanto ao números de professores. Quando a nota técnica foi elaborada, em abril, constatou-se a ausência de professores em 22,1% das aulas dos itinerários formativos do segundo ano do ensino médio. Pois bem, no início de junho esse percentual caiu para 17%. Não se está negando aqui o déficit, que impacta negativamente no Novo Ensino Médio e cria situações desiguais, mas a dimensão apontada.
Para mitigar o problema o governo estadual lançou uma campanha de comunicação para atrair novos professores – são necessários mais 2,9 mil profissionais com salários que variam entre R$ 5 mil e R$ 7 mil reais em uma rede que já conta com 204 mil educadores. O Conselho Estadual de Educação também foi ouvido e definiu regras objetivas para o processo de atribuição de aulas. Essas medidas farão avançar o processo de contratação.
Não é ideal – nem desejável – postergar a reforma do ensino médio até as condições ótimas estarem dadas. Isso contrariaria a determinação legal que estabeleceu o ano de 2022 como prazo final para a implantação dos novos parâmetros. O adiamento, em vez de dirimir desigualdades, só aprofundaria o fosso, principalmente entre os alunos da rede pública e das escolas privadas, que já se reorganizaram de acordo com as novas diretrizes provadas pelo Conselho Nacional da Educação.
Cresceria ainda o abismo entre a nossa rede pública e a dos países mais bem colocados nos sistemas internacionais de avaliação. Enquanto tais países já contam com uma educação conectada e contemporânea da Quarta Revolução Industrial, o Brasil sem a reforma ficaria estagnado a era da Segunda Revolução Industrial. O mais correto, portanto, é o caminho seguido por São Paulo e outros Estados. Tirar o Novo Ensino Médio do papel e enfrentar os desafios advindos de sua implantação
É injusto também fazer tábula rasa do esforço dos Estados para torná-lo uma realidade. No caso de São Paulo, entre 2019 e 2022 foram promovidos 1,6 mil seminários presenciais, com a participação de 140 mil estudantes e 18 mil professores. Em 2020, a rede pública paulista realizou consultas públicas on-line para implementação do Novo Ensino Médio, obtendo 400 mil contribuições. Já em 2021, foi feita a escuta de 154 mil estudantes e 18 mil professores, além de materiais de apoio para implementação dos itinerários formativos. E, via o Programa Dinheiro Direto na Escola, foram repassados R$ 2,7 bilhões à rede, com vistas a criar as condições materiais para a implantação da reforma.
A despeito dos problemas apontados pela nota técnica da Repu, já existem dados positivos. Com base em um catálogo constituído por 30 itinerários formativos e na manifestação dos interesses dos alunos, 99% das escolas de ensino médio de São Paulo oferecem pelo menos dois formativos e 84% dos estudantes estão matriculados em sua primeira ou segunda opções de itinerário.
Nesta quinta-feira, dia 9, assumo a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, aberto ao diálogo com todos interessados em fazer do Novo Ensino Médio uma realidade viva – porque ele veio para ficar. Mas sem a ingenuidade de ignorar que muitas vezes a política e o corporativismo operam como forças conservadoras para impedir o nascimento do novo.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 8/6/2022.