Dorival Caymmi está-se preparando para lançar músicas novas: “estão no forno” – segundo sua própria expressão – três valsas.
Esta notícia foi dada em 1969.
Em 1972, perguntaram a Dorival Caymmi por aquelas valsas. Ele respondeu “Tenho idéia de juntar as três valsas, mas ainda não encontrei as letras que quero. São três andamentos em que eu quero colocar uma letra, um assunto só para três estados de espírito de uma pessoa, três tempos de uma valsa. Esse é meu assunto, mas ainda não consegui.”
Em 1974, ao completar 60 anos de idade, Caymmi voltou a falar das três valsas, da suíte de três valsas. Ainda não tinham título, sequer letras, apenas idéias.
Dorival Caymmi chega aos 70 anos (em 1984, quando este texto foi escrito). Ainda não mostrou as valsas que vem burilando desde que tinha 55.
O caso do primeiro contrato
O jovem Dorival Caymmi foi demitido de sua primeira gravadora porque compunha pouco, devagar.
A história de “O que é que a baiana tem?” é famosa, mas vale a pena lembrá-la. Andava no Rio, naquele final dos anos 30, um norte-americano produtor de cinema, Wallace Downe. Havia feito dois filmes com muita música e, carnaval. Alô, Alô, Brasil e Alô, Alô, Carnaval. Para um novo filme, que teria o titulo de Banana da Terra, havia preparado todo um cenário baiano, no meio do qual Carmem Miranda cantaria “Na baixa do sapateiro”, de Ary Barroso. Ary pediu um pagamento que o produtor achou alto demais. Alguém falou a Downey de um compositor novo, baiano legítimo, recém-chegado ao Rio (Dorival Caymmi havia desembarcado de um ita, navio de porte médio que fazia ligação das capitais do Norte e Nordeste com o Rio, no dia 4 de abril de 1938, pouco antes de fazer 24 anos).
Estava resolvido o problema: não se desperdiçava o cenário baiano já montado, nem se pagava muito pela inclusão de uma música sobre a Bahia. Carmem Miranda cantou no filme “O que é que a baiana tem?”. Grande sucesso. Levaram Caymmi para a Odeon, onde ele assinou seu primeiro contrato com uma gravadora. Em abril daquele ano de 1939, o jovem compositor gravou, um dueto com Carmem Miranda, suas composições “O que é que a baiana tem?” e “A preta do acarajé”, nos dois lados de um 78 rotações. Em setembro, novo 78 rotações, com “Rainha do mar” e “Promessa de pescador”.
O contrato exigia que Caymmi gravasse mensalmente um 78 com duas músicas. A gravadora o mandou embora em 1941 – afinal, ele levava meses para compor.
Meses, às vezes anos.
Na década de 40, confessou a um jornalista que ficou dois anos numa só frase de uma música.
Claro que nem sempre é assim. Há casos inversos. Conta que levou 15 minutos para compor “Maracangalha”. Fez “Francisca Santos das Flores” em um dia só, durante uma viagem a Portugal.
Mas essas são, seguramente exceções.
Ele levou nove anos para terminar “João Valentão”.
Números
A primeira composição de Caymmi de que se tem notícia é uma toada chamada “No sertão”. Coisa de adolescente, ela dizia assim: “Lá no sertão/ Nasce a vida/ e a alegria no coração/ Nosso amor nasceu/ Pelo São João/ Na roda da brejeira / Na fogueira/ Ao soluçar de um violão”. Coisa de adolescente: ele estava com 16 anos; era 1930.
De 1930 para cá são, portanto, 54 anos. Em 54 anos, Caymmi não chegou a compor uma centena de obras. A Enciclopédia da Música Brasileira (Art Editora Ltda., São Paulo, 1977) enumera como sua obra completa 77 títulos. Cruzando-se essa relação na verdade bem incompleta com as outras informações disponíveis, especialmente a mais nova edição (a quinta, de 1978, da Editora Record) do livro Cancioneiro da Bahia, de Caymmi, chega-se a um total de 98 obras, incluindo várias parcerias.
Só para se ter uma idéia, Chico Buarque de Hollanda já assinou, por baixo, 177 obras. Caetano Veloso, também por baixo, 186, Roberto Carlos, umas 125, Chico, Caetano e Roberto estão beirando os 40 anos de idade; começaram a compor e gravar na metade da década de 60, quando Caymmi já era unanimemente reconhecido como um dos maiores compositores brasileiros (não é à toa, claro, que todos os três já gravaram músicas de Caymmi).
Ourives em busca da perfeição
As histórias e os números mostrados acima são bem uma chave para que se dimensione e compreenda a obra de Dorival Caymmi.
Evidentemente não é o caso de Chico ou Caetano, mas o fato é que estamos cercados por compositores que produzem quase industrialmente, em linha de montagem, para atender a exigências de mercado. Obrigatoriedade de gravar um disco por ano; obrigatoriedade de apresentar músicas novas para fulano e fulana gravarem; obrigatoriedade de compor para este ou aquele especial de televisão. Pega-se determinado tema, constroem-se frases, produz-se um arranjo dentro dos padrões do consumo imediato – e, no ar, mais um campeão de audiência. Que sofram os nossos ouvidos.
Caymmi, não. Caymmi compõe sem nenhuma pressa. Simplesmente não consegue compor sob encomenda. Simplesmente é incapaz de compor sobre o que não conhece e de que não gosta. Só fala daquilo que conhece bem.
– De encomenda, eu não funciono mesmo – diz ele.
E detalha:
– Eu não faço canção a não ser espontaneamente. Eu não tenho fábrica de canções. Não sei fazer sob encomenda, apesar de já ter feito, não tenho jeito. As que foram espontâneas, o povo gostou.
Cita “Oração da Mãe Menininha”, feita como resultado de sua admiração pela Mãe Menininha do Gantois, uma das personagens mais importantes do candomblé baiano, e diz que a música “nasceu por nascer”, e não porque ele pretendesse agradá-la:
– Foi como fiz também uma canção sobre Marina que se pintou, ou Dora que deu um passo na rua de Pernambuco e dançou um frevo, a Rosa Morena com jeito bem carioca, ou João Valentão, que é uma figura calcada num tipo que conheci, um amigo nosso pescador, um homem rústico. Quando o tema se apresenta, a ponto de ser uma canção, inesperadamente a canção aparece, sai. Eu só faço nessa condição.
Seu velho amigo Jorge Amado falou sobre essas coisas, em um texto para a coleção Nova História da Música Popular Brasileira, lançada em 1976 pela Abril Cultural (a coleção está hoje na terceira edição):
“…não há uma frase sua, uma única, de música ou poesia, que seja circunstancial, que derive da moda, de uma influência momentânea. Dorival Caymmi não compôs demais, ao sabor do sucesso e da novidade. Cada música sua é inspiração verdadeira e experiência vivida, é seu sangue e sua carne, é sua verdade”.
Claro, para fazer uma obra de arte não basta mostrar o sangue, a carne, a verdade – é preciso que se mostre isso bem. Aí entra o trabalho do ourives meticuloso, exigente, perfeccionista, que Caymmi é. Não entrega ao público rascunhos, projetos inacabados. Vai burilando, mexendo aqui e ali, deixando decantar a idéia.
– Eu faço música aos pedacinhos. Tenho aqui no bolso o retalho de uma, depois largo e começo outra coisa. Pego uma canção e deixo ir rolando, devagarinho, ruminando, ruminando…
Talvez seja essa paciência, esse perfeccionismo de ourives antes de entregar um trabalho ao público, que explique o fato de que pouquíssimos compositores podem apresentar, como Caymmi, uma percentagem tão alta de obras-primas, de clássicos, entre o total de sua produção. E também uma percentagem tão alta de sucessos populares. Mas não é tanto o sucesso que conta; muito mais importante é a sua capacidade de produzir clássicos, canções que são fundamentais na história da música popular brasileira, e que conseguiram e conseguem passar imunes, soberbas, ao teste do tempo. São canções que não envelhecem nunca, e por isso mesmo estão sendo constantemente regravadas, sempre novas, sempre perfeitas, sempre obras-primas.
Existiria alguém que não sabe de cor pelo menos quatro ou cinco canções de Dorival Caymmi?
Ele contou, recentemente, sobre um show que deu no Espírito Santo, uma única apresentação, “em 78 ou 79”, não se lembra exatamente, diante de uma multidão de jovens:
– Eles não me deixavam cantar – cantavam minhas músicas por mim!
A imensa maioria daqueles jovens que sabiam de cor as músicas de Doriva Caymmi era criança quando ele gravou no seu último LP, em 1973.
Ele diz que não teve disposição para gravar, depois daquilo – e já são 11 anos:
– Um bom disco é aquele que a pessoa escuta sem se levantar da poltrona. É o que tem 12 faixas que valem a pena, sem que se diga, ah, essa aqui é boa, vamos pular essas duas. Não faz sentido gravar um disco com apenas uma ou outra coisa boa.
Se se pensar na enxurrada de discos medíocres que é despejada nas lojas atualmente, pode-se concluir que esse conceito de Dorival Caymmi é um tanto antiquado, fora de moda. Ao contrário de sua música, que jamais foi antiquada, e sim inovadora, precursora.
Três estilos básicos
Os primeiros grandes sucessos da carreira de Caymmi, no final dos anos 30 e nos anos 40, foram as músicas que falavam da Bahia, das cenas, mulheres e costumes baianos – músicas como “O que é que a baiana tem?”, “A preta do acarajé” (as duas de 1939), “Samba da minha terra”, (1940), “Balaio grande”, “Você já foi à Bahia?”, “Requebra que eu dou um doce” (todas de 1941), “Vatapá” (1942).
São basicamente sambas “brejeiros”, “buliçosos”, “corridinhos”, “agitadinhos”, na definição do autor. Ele mesmo diz que seus sambas – reflexo nítido do samba de rua que se fazia então na Bahia, num ambiente “negro, mestiçado, do azeite de dendê” – são bastante diferentes dos cariocas. Têm um remelexo tipicamente baiano. Vinícius de Moraes falava assim dessas músicas de Caymmi: “Seu samba tem um balanço gordo e descansado; parece ter o visgo gostoso do ar da Bahia, feito de calor e brisa; lembra o quebranto das ladeiras, onde as baianas descem desmanchando as ancas”.
Esses sambas têm uma malícia, uma sensualidade alegre e despreocupada. “Quando você se requebrar, caia por cima de mim, caia por cima de mim, caia por cima de mim”, diz “O que é que a baiana tem?”. “Ela mexe com as cadeiras prá cá, ela mexe com as cadeiras prá lá. Ele mexe com o juízo do homem que vai trabalhar”, diz “A vizinha do lado”. “Um vestido de bolero, lero, lero, lero, já mandei comprar. Todo mundo vai gostar… É que debaixo do bolero, lero, lero, lero, tem você, yayá”, diz “Um vestido de bolero”.
Como resistir a esses sambas? Só ruim da cabeça ou doente do pé, disse ele, em “O samba da minha terra”. E, de fato, esses sambas irresistíveis fizeram enorme sucesso na época. Só para se ter uma idéia de como suas músicas eram ouvidas por todos, é bom lembrar que Caymmi introduziu, com “O que é que a baiana tem?”, uma nova palavra no vocabulário brasileiro – até hoje, balangandã é uma expressão usada corriqueiramente. Na época, era uma palavra usada apenas na Bahia, para designar uma penca de pequenos fetiches negros, feitos em prata e ouro.
Ao lado dos sambas, Caymmi compunha, naquela época (final dos anos 30, começo dos anos 40) canções de outro estilo inteiramente diferente, o estilo que por si só já definiria seu lugar de importância fundamental na música brasileira, e pelo qual ele é mais constantemente lembrado. Embora na época não tivessem obtido um sucesso popular tão grande e tão imediato quanto os sambas, as canções praieiras de Caymmi tornaram-se absolutos clássicos. Jamais se poderá fazer qualquer antologia do que houve de melhor na música brasileira sem incluir várias delas.
As canções praieiras resultaram diretamente da vivência de Caymmi. Adolescente, ele costumava conviver de perto com o povo de Itapoã – na época, uma aldeia só de pescadores bem afastada da cidade de Salvador. Ele ia passar as férias junto com os pescadores , ouvindo suas histórias, participando do seu trabalho, muitas vezes indo ao mar com eles em seus saveiros e jangadas.
Caymmi fez duas dezenas de canções praieiras, falando do trabalho, da esperança, do amor e da morte dos homens que vivem do mar e para o mar. São letras simples, básicas, sem enfeites, sem adereços – às vezes alegres, às vezes irremediavelmente trágicas, mas sempre emocionantes. A música era impregnada de Bahia, como diz o compositor: “Minha idéia era afirmar bem, em meu acompanhamento, o samba de umbigada da Bahia e a capoeira. Em ‘Noite de temporal’, minha primeira canção praieira, procurei tocar acompanhado pelo toque de berimbau de capoeira. Sempre pus esses elementos nativos no meu acompanhamento, por isso meu violão era diferente. Usei temas e elementos do folclore, mas, quando usava um de seus temas, procurava justificá-lo para não haver deturpação”.
“Noite de temporal”, “O mar”, “É doce morrer no mar”, “A jangada voltou só”, “Pescaria”, “A lenda do Abaeté”, “Saudade de Itapoá”, “O vento” – todas essas canções praieiras foram lançadas durante os anos 40, em discos de 78 rotações. Muitas delas seriam regravadas e lançadas em 1957, num LP da Odeon. O mar…o violão…Caymmi e suas composições praieiras, que continua à venda nas lojas, só que com o título de Caymmi e seu violão. É, seguramente, um dos mais belos LPs da história da música brasileira. Sua voz grave, levemente empostada, é de uma riqueza admirável (o próprio Caymmi reconheceu, há poucos meses, numa entrevista, que ele é o melhor intérprete de suas músicas, embora suas músicas tenham sido gravadas por dezenas e dezenas de cantores). O único acompanhamento é o violão do próprio compositor – e o violão faz a harmonia, sola a melodia e fornece o acompanhamento rítmico.
Caymmi diz que seus estudos de violão se limitaram ao mínimo. Aprendeu algumas posições com o seu tio Alcides, irmão de sua mãe, e praticou sozinho lendo o método de um violonista genial, Canhoto.
Não é um violão do tipo costumeiro, padrão. Ao contrário, sempre foi um violão diferente – como foi diferente, no final dos anos 50, o violão de outro baiano, João Gilberto, que mudaria a história da música brasileira. Caymmi diz: “Cheguei ao Rio com um violão tocado de maneira esquisita para a época. Diferente da usança comum. O violão era tocado então em acordes perfeitos, quadrados. Sempre tive tendência a alterar os acordes perfeitos. Eu tirava o dedo de uma corda e punha na outra procurando um som harmônico diferente. As minhas cavações harmônicas já eram estranhas para meus amigos lá na Bahia. Eles diziam: “Você está tocando na posição errada”. “Não, mas eu sinto assim. É mais bonito.” “Mas está errado!”
O jeito “errado” de tocar violão seria visto, mais tarde, como de grande importância para o avanço da bossa nova. O maestro Antônio Carlos Jobim garante: Caymmi foi um precursor. João Gilberto ratificou isso: em seus três primeiros LPs, os que lançaram a bossa nova, havia quatro músicas do precursor Caymmi.
No caminho que desaguaria na bossa nova estão as obras de Caymmi que pertencem a um terceiro estilo seu – além dos sambas e das canções praieiras -, o das canções “românticas”, ou “cariocas”;
São sambas-canções lentos, já quase intimistas, suaves, apropriados para os espaços pequenos e fechados, próprios para serem interpretados num estilo cool, elegante, extremamente distante do estilo arrebatador, do bel canto, que prevalecia até então. Sintomaticamente, o primeiro grande sucesso de Caymmi dentro desse estilo “romântico” ou “carioca”, como foi chamado, veio numa gravação de Dick Farney, um cantor que importava dos Estados Unidos e o estilo manso e suave dos crooner de boate. Em 1947, “Marina”, na voz de Dick Farney, se transformaria imediatamente num enorme sucesso, que inclusive ofuscou a gravação feita pelo próprio Caymmi, no mesmo ano. (Dick Farney gravaria a mesma música mais duas vezes, mais tarde).
Assim como fez sambas clássicos, e canções praieiras clássicas, Caymmi faria sambas-canções que se tornariam clássicos – como, além de “Marina”, “Sábado em Copacabana”, “Não tem solução”, “Nem eu”, “Nunca mais”, “Só louco”.
Simplicidade, perfeição
Mas, afinal, por que tantos clássicos, tantas canções eternas, que permanecem nos ouvidos do povo, que os mais jovens sabem de cor mesmo tendo nascido muito depois que as músicas foram compostas? Falou-se da preocupação de Caymmi em só apresentar ao mundo uma obra depois de burilá-la, trabalhá-la com o cuidado de um ourives. Mas isso bastaria para explicar por que, compondo relativamente tão pouco, Caymmi conseguiu compor tantas obras clássicas?
Talvez simplesmente não haja nenhuma explicação para o talento.
Mas o próprio Caymmi fornece a pista de um segredo. Ele sempre disse e repetiu que, ao criar uma obra, procura a simplicidade. A simplicidade de uma cantiga de roda, um motivo popular. (“Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega essa menina que tem medo de careta”, cita ele, em “Acalanto”, a música que fez para embalar o sono da primogênita de seus três filhos hoje famosos por méritos próprios. “Roda, pião, bambeia, pião”, cita ele, em “Roda, pião”. “Dona Chica, ca, dimirou, se, se…”, cita ele, em “Francisca Santos das Flores.)
Numa entrevista de 1972, ele disse:
– Tenho ânsia de ser o autor do mais puro, do mais simples. Parto para encontrar a forma mais doce de dizer as palavras e música de uma canção, num estribilho que você segure na cabeça, que trauteie, que assovie. Meu sonho é chegar a essa perfeição de ser o autor de uma “ciranda, cirandinha”, uma coisa que se perca no meio do povo.
Não seria essa a pista para se explicar a permanência da obra de Caymmi? O segredo é a simplicidade, a perfeição do simples.
É bem possível que ele saiba hoje, aos 70 anos, que já conseguiu realizar o seu sonho. Criou canções que a gente segura na cabeça, trauteia, assovia. Uma coisa que se perde no meio do povo.
OS DISCOS
Compositor (relativamente) pouco prolixo, Dorival Caymmi tem uma discografia admiravelmente pequena. Enquanto seu contemporâneo Luiz Gonzaga gravou mais de 40 LPs, um Nélson Gonçalves ou uma Ângela Maria já passaram da centena cada um, ou o jovem Roberto Carlos inundou as lojas, por enquanto, com 25, Dorival Caymmi não chegou a uma dúzia de LPs.
Em 1957, gravou na Odeon O mar… O violão… Caymmi e suas composições praieiras, mas tarde relançado como Caymmi e seu violão. Em 1960, a Odeon lançou o LP Eu não tenho onde morar, que incluía “Dora”, “Eu não tenho onde morar”, “Rosa Morena”, “Acontece que eu sou baiano” e “Acalanto”.
Na década de 60, a extinta gravadora Elenco lançou Vinícius/Caymmi no Zum Zum, gravado ao vivo na boate carioca em 1965. Caymmi visita Tom, com a participação de Tom Jobim e os três filhos de Dorival, Nana, Dori e Danilo. Pela Odoen, saiu Ary Caymmi Dorival Barroso, em que Ary Barroso toca ao piano canções de Caymmi e este canta sucessos daquele compositor.
Em 1972, a Odeon lançou o excelente LP Caymmi, que trazia composições inéditas, como “Oração da Mãe Menininha”. Foi, a rigor, o seu último LP original, porque o disco seguinte, Caymmi também é de rancho, também da Odeon, de 1973, apenas trazia velhos sucessos adaptados para o ritmo de marcha-rancho (Caymmi detesta esse disco).
O espantoso, o absurdo, é que, desses poucos LPs citados, apenas um pode ser encontrado hoje nas lojas: aquele maravilhoso Caymmi e seu violão. Todos os outros estão fora de catálogo e só podem ser encontrados por muita sorte, resto de estoque antigo não reposto pelas gravadoras, ou nas lojas de sebo.
Também estão fora de catálogo os LPs Dorival Caymmi, Série Coletânea vol.6, da Odeon, que reúne gravações feitas entre 1945 e 1972, e Dorival Caymmi, nº 9 da Série Ídolos MPB, da Continental, precioso trabalho de recuperação de gravações em 78 rotações da década de 40.
Assim, a rigor, o que se encontra, nas lojas, além do citado Caymmi e seu violão, é a caixa Dorival Caymmi, da Polygram, uma coleção de quatro LPs; essa coleção tem o defeito de juntar gravações com o único critério de aproveitar faixas assinadas por Caymmi, gravadas por intérpretes contratados pela gravadora.
Resta apenas, então, o LP Gal canta Caymmi, produzido em 1976, no qual Gal Costa interpreta dez músicas do autor. Gal é a melhor cantora do País; o problema é que o melhor intérprete de Caymmi é Caymmi.
P.S.: Mudou um pouco a situação, desde 1984, quando o texto foi escrito, até hoje – mas não de uma maneira acachapante. Por preguiça de atualizar o texto, mas também porque ele retratava fielmente a verdade daquela época, deixo aí o que escrevi sobre o que havia disponível de Caymmi no ano em que ele completou 70.
A história por trás do texto
Gosto bastante desse texto, que o pessoal da Variedades do Jornal da Tarde me encomendou para sair junto com as reportagens sobre os 70 anos de Caymmi. Entre 1981 e 1984, além de trabalhar como sub-editor de Reportagem Geral do JT, escrevi – como free-lancer – textos sobre música para a editoria de Variedades. Não escolhia os temas; o pauteiro ou o chefe de reportagem da editoria escolhiam e me encomendavam os textos. Não me lembro de quem foi a idéia de me encomendar um trabalho sobre a obra de Caymmi – pode ter sido o Sandro Vaia, que, acho, nessa época ainda editava Variedades, ou o César Giobbi, ou o Edison Paes de Mello –, mas foi uma honra. Li bastante, pesquisei bastante, ouvi bastante Caymmi.
Acho que o texto ficou legal; passa um pouco do que é a genialidade de Caymmi. Brinca com a coisa da proverbial preguiça baiana-caymmica, sem cair na piada pronta, boba.
Até porque a preguiça do Caymmi não é preguiça, é genialidade.
O que me faz lembrar do Fernando Mitre.
Mitre é uma figura absolutamente fantástica, um jornalista brilhante, brilhante, que sempre admirei muito, demais – além de dever muito a ele, pessoalmente. Na época em que escrevi esse texto sobre Caymmi, Mitre era o editor-chefe do Jornal da Tarde; em 1984 ele nos levaria a todos – ao Sandro, Anélio, Valdir, Ari, eu – para a aventura da revista Afinal. De sangue PSD mineiro, depois PSDB, desde muitas gerações antes de nascer, desde que seus bisavós ainda estavam no Líbano, Mitre era editor-chefe do JT mas era também aluno de pós-graduação de umas coisas tipo Semiologia, na PUC, com os Haroldo de Campos todos. Não meteu um dedo na edição do material dos 70 anos de Caymmi, evidentemente, não interferiu, não proibiu nada – Mitre jamais proibiria, cercearia nada. Mas, depois que o material saiu, ficou me gozando durante semanas: “Ah, Servaz, quer dizer então que o Caymmi é um grande poeta? ‘O mar quando quebra na praia é bonito.’ Que beleza de verso! Que profundidade!”
Maravilha de pessoa, grande figura, jornalista brilhante, Fernando Mitre. Foi uma sorte imensa ter convivido com ele, no Jornal da Tarde, e depois na Afinal. É um dos jornalistas que mais admiro na vida. Mas, tadinho do Mitre, alma torturada entre o jornalismo e a Academia: que bobagem ele não compreender a grandeza de Caymmi.
Se bem que, no fundo, evidentemente ele compreendia, e compreende. Estava só brincando, fazendo graça, fazendo troça, gozando minha cara. É uma das características do Mitre: ele está sempre fingindo que está falando seriíssimamente, mas na verdade está morrendo de rir do interlocutor – e dele mesmo.
Olá,
Encontrei esta postagem enquanto buscava conteúdos sobre Dorival Caymmi. Muito bacana!
Abraços,
Lu Oliveira
http://www.luoliveiraoficial.com.br