Nas últimas horas o Supremo Tribunal Federal optou por restabelecer pontes com o Congresso Nacional e o Poder Executivo. A inflexão ajudará a diminuir a temperatura de uma crise institucional com potencial de esgarçar o arcabouço estabelecido pela Constituição de 1988. O Supremo não pode ser parte da crise, até porque é de sua competência a palavra final em matéria constitucional. Não desempenhará seu papel de guardião da Constituição se, em vez de contribuir para a harmonia entre os poderes da República, alimentar o conflito e a discórdia.
Também irá contribuir para desanuviar o ambiente o recolhimento ao silêncio do ministro Roberto Barroso, depois de sua desastrosa declaração sobre as Forças Armadas. Ela só serviu para alimentar uma pauta que é do interesse diversionista do presidente Jair Bolsonaro.
É um erro confundir os militares como um todo com o projeto político de Bolsonaro, embora haja um núcleo de oficiais palacianos. Como instituição, as Forças Armadas tem tido um papel exemplar desde a redemocratização do país, deixando para trás sua tradição de se outorgar o papel de “poder moderador” e intervir na vida política nacional.
Uma leitura apressada da dura nota de resposta da linha de comando pode levar à conclusão de que as três armas – Exército, Marinha e Aeronáutica – desviaram-se de sua rota para aderir ao projeto de poder de Bolsonaro. Em particular ao seu intento de questionar a lisura do nosso sistema eleitoral para não reconhecer os resultados da eleição presidencial, na hipótese de sua derrota.
O próprio STF deveria ser o maior interessado na preservação de sua imagem, muitas vezes comprometida por decisões judiciais “heterodoxas” ou excesso de ativismo de seus membros. No rol da heterodoxia está o próprio inquérito das fake news. O processo foi instalado monocraticamente pelo então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, sem ter sido solicitado pela Procuradoria Geral da República. Não é normal o juiz, vítima de um ato, investigar e julgar o caso.
Ao brasileiro comum fica difícil de entender que a mesma Corte que se pretendeu dura nos casos do mensalão e da Petrobrás, reverteu as condenações de Lula, mandando os processos começar do zero.
A que se deve esse comportamento errático? O cientista político Marcus André atribui ao “hiperprotagonismo” e a “hiperpolitização” do Supremo.
Explicação semelhante tem o professor Joaquim Falcão, membro da ABL e criador do projeto “Supremo em Números”, observatório quantitativo e qualitativo sobre as atividades da Suprema Corte. Falcão afirma que “uma certa incerteza é natural, mas a incerteza patológica e ausência de previsibilidade causa insegurança jurídica”.
Estaria nestes fatores o desvio de rota que levou o STF a ser parte da crise institucional. É preciso por água na fervura. Não serve à democracia a elevação da temperatura aos níveis atuais. A radicalização em curso cai como uma luva para Bolsonaro. De um lado, fideliza seu eleitorado de ultradireita e, de outro, cria o ambiente favorável para seu intento golpista de não reconhecer as eleições e instalar no Brasil um regime iliberal como o de Victor Orbán, da Hungria.
Estamos diante de um presidente que deseja travar a disputa eleitoral no terreno que lhe é favorável, o da agenda ideológica. Só assim fugirá de debater os reais problemas do país, como a fome, o desemprego, o desastre ambiental e a inflação.
Não fazer o jogo de Bolsonaro é uma questão de sabedoria política. Ao país interessa levar a disputa presidencial a bom termo, com o reconhecimento da lisura do processo eleitoral e a posse do eleito.
Ao retomar o caminho da ponderação e equilibrio, o Supremo Tribunal Federal dará uma enorme contribuição para os brasileiros fazerem a difícil travessia e chegar ao porto seguro de um novo governo que esteja comprometido com a centralidade da democracia, o respeito às instituições e a superação das profundas desigualdades que castigam todo o país.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 27/4/2022.