Há algum tempo… uns dez anos, vinha acariciando a idéia de trocar meu equipamento de som. Para ser sincero, o que tentei foi encontrar novas caixas acústicas para o antigo, um Gradiente velhão, de três décadas. Antes de comprar esse “som” consultei o Ethevaldo Siqueira, meu colega do Estadão, já naquela época um entendido dessas coisas.
Ele me disse: “É bom, mas é um Fusca”. O equipamento, como o carro, saiu de linha. Mas mantive o meu, dentro do figurino: três volumes, um deles o toca-discos, alojados no rack. Mais tarde, quando surgiu a modernidade – o CD – , completei o rack com o quarto aparelho.
O que acontecia com as caixas de som é que estavam gastas, feias. O tamanho delas, 55 cm por 40 cada uma, realçava a precariedade. Eu havia dado à elas um tom “profissional”. Tirei a tela que protegia a frente, e pintei de preto fosco. O alto-falante, 25 cm de diâmetro, ficou à vista, com aspecto de deteriorado, assim como um segundo, menor, e um twitter.
Eis o problema de consciência: apesar de tudo, o som que vinha daqueles alto-falantes continuava ótimo. Por que trocar? Bem, porque hoje em dia há equipamentos muito menores, boa potência…
No começo desta semana me rendi. Comprei uma belezinha com caixas de som menores que as de sapato. O problema foi saber onde colocar. Tenho na sala uma antiga escrivaninha, mas ela é o meu porta-CD. Aproveitei para dar uma olhada no “acervo”. O que havia ali? Frank Sinatra, claro.
Nos bons tempos, eu passava por entendido quando surgia um Frankie. “Está com a orquestra Nelson Riddle”, comentava, assim como quem não quer nada. A verdade é que sabia distinguir entre essa e outras que acompanhavam ”A Voz”.
O que mais? Glenn Miller. Toda uma geração dançando “Moonlight Serenade”, rostos colados, nos bailinhos pró-formatura. As bolachas pretas, da adolescência, se foram. Mas hoje, em um só CD, tenho 50 músicas do band-leader.
Fui pegando. Chet Baker, intimista, que se tornaria meu trompetista predileto. Harry James, sim, grande piston, mais derramado…
Então me aconteceu uma coisa estranha. Pensei: estou vivendo no passado. Compreendi, horrorizado, que vinha atravessando anos, décadas, com a mesma trilha sonora. Compro um equipamento de som novo, pega até pen drive, para tocar a mesma velharia de sempre. Terceiro milênio, era da internet… Quase sem perceber, fui andando para a lavanderia. Glenn Miller morreu em 1944, pensei, enquanto pegava o saco plástico para os descartáveis. Sinatra se foi faz tempo, Chet Baker caiu, ou se atirou, de um prédio. Abri o saco.
Tentei quebrar os CDs, mas desisti. Muito difícil. Então, foram inteiros para o lixo. Sarah Vaughan, Ella, Billie Holiday, a trágica; Miles Davis, Benny Goodman, Ray Anthony, Ray Conniff, orquestra, coro, todos para o saco.
Passei para os long-plays, quebráveis. Parti em pedaços Julie London, que cantava “Cry Me a River”; Johnnie Ray, que era surdo e cantava “Cry”; o grande Gene Krupa, baterista imortal; Duke Ellington, Les Brown; Louis Armstrong, que vi no Ginásio do Ibirapuera, aí por 1958… Concluído o descarte, peguei a garrafa de uísque e tomei um pouco. Agora era olhar para os tempos de hoje.
Para quem? Madonna, será bom? Michael Jackson perdi; só vi quem era nos tapes mostrados na TV depois da morte. Quem? Quem? Alguns goles depois estava entrando em desespero. Foi crescendo aquele sentimento de “o que eu fui fazer?”. Bem, pelo menos deixei toda a minha MPB, meus Tons, Chicos, Elis, Miltons… E… confesso: guardei o Glenn Miller.
Então acordei e era um pesadelo? Nem isso. Apenas uma história para o site do Sérgio Vaz. Mas o que contei sobre o velho Gradiente com seu rack é verdadeiro. Também é verdade que estou pensando em comprar um equipamento novo, pequeno. Ninguém se aflija: nenhuma chance de trocar Ella Fitzgerald por Lady Gaga, seja quem for aquela moça pelada.
Agosto de 2010