Duas horas da madrugada. Os jornalistas que cobrem a guerra da Nicarágua vêem a porta de um salão se abrir, no Hotel Intercontinental, em Manágua, e já imaginam o que está para acontecer. Políticos que terminavam uma reunião anunciam que um deles é o novo presidente da República. O que interessava: Anastasio Somoza havia deixado o poder, depois de 42 anos de ditadura.
O que fizemos nós, os jornalistas? Sacamos o celular e começamos furiosamente a mandar matéria para nossas redações. Nada! Era junho de 1979. Corremos para a mesa telefônica pedindo ligação urgente. E descobrimos que Somoza fizera uma última patifaria. Suspendera as comunicações.
O Jornal da Tarde havia montado um esquema de prontidão, para o caso de a queda do ditador, que parecia iminente, ocorrer de madrugada. A telefonista do jornal me chamaria. Mas a hora passava, ia ficando tarde demais, e os telefones do hotel continuavam mudos.
Mais tarde, como reminiscência, escreveria o seguinte:
Subi para meu quarto com a queda de Somoza nas mãos e ia ter que dormir com ela. Ou pior: quem conseguiria dormir numa situação dessas? Passou bom tempo, até que, subitamente, o telefone tocou. Atendo, e ouço uma voz clara, animada. “Valdir? É a (diz o nome) do jornal.” Eram três e quinze. Cinco e quinze em São Paulo.
Veio a voz de Cesar Camarinho, de prontidão na secretaria gráfica. “Ainda dá tempo?” pergunto angustiado. E ele: “Estamos rodando devagarzinho”. A manchete mudou para o titulão CAIU O DITADOR SOMOZA.
Mais tarde, em São Paulo, fiz um freelance para a revista Status, que destacou as “histórias do repórter que furou toda a imprensa brasileira”. Quem furou não fui eu, que tinha a mesma notícia de todos os meus colegas. O furo foi da telefonista do Estadão/Jornal da Tarde. Miseravelmente, não fiquei com o nome dessa brava colega. Ela e suas companheiras também se dedicam, à sua maneira, à notícia.
Contei essa historiada toda para agradecer, ainda que tardiamente, às telefonistas do jornal, que nos achavam em lugares improváveis, e nos atendiam com muito boa vontade, mesmo quando a ligação vinha cheia de chiados. Adoráveis colegas, obrigado!
***
Depois que fiz o texto, liguei para o telefone indicado no jornal , o que imaginei ser o PBX. Queria falar da homenagem às telefonistas do Estado, e sugerir que entrassem no 50 Anos de Textos. Atendeu uma gravação. “Para falar com tal lugar disque 1…”
Me dei conta de que PBX está no museu, junto com a telefoto.
Fevereiro de 2020
Nota do administrador: Recebi esses dois últimos parágrafos enviados para mim como mensagem. Valdir acerta no texto até nas mensagens. Isso não poderia ficar só para mim: é o fecho perfeito da crônica dele.
Emocionei-me quando Valdir narrou-me essa história durante uma viagem dele a Foz do Iguaçu. Lições de jornalismo, digamos, do século passado.