A poucos dias do segundo turno, o favorito Jair Bolsonaro anunciou que pretendia fazer uma “excelente reforma política”, acabando com o instituto da reeleição – “que começa comigo caso seja eleito” – e reduzindo a representação no Congresso Nacional em 15% ou 20%.
Vitorioso, não mexeu uma palha para cumprir a promessa feita. Traiu os que nele acreditaram e praticamente desde a posse age para promover sua reeleição e a família. Não a brasileira, que diz defender, mas a dele.
Instituída em 1997 para beneficiar o então presidente Fernando Henrique Cardoso, a reeleição para cargos majoritários, existente na maioria das democracias modernas, nunca foi ponto pacífico na política brasileira. O próprio PSDB, que apresentou a proposta, teria se arrependido dela e formulado teses contrárias. O mesmo se deu com o PT. Mas nenhuma dessas duas forças que polarizaram as disputas eleitorais por mais de duas décadas abriu mão da reeleição porque dependiam dela para os seus projetos de poder.
O ministro das Comunicações de FHC, Sergio Motta, um dos mentores da ideia, previa, em 1995, a hegemonia tucana por 20 anos. “O PSDB não é um partido de tertúlias acadêmicas, e sim um partido com projeto de poder”. Com popularidade no chão, FHC concluiu o oitavo ano aos tropeços.
O PT de Lula, José Dirceu, Palocci e companhia também se imaginava longevo. Montou com base no Mensalão o que o ministro do STF Celso de Mello definiu como “projeto criminoso de poder”, que se sofisticou ao longo dos anos conforme se viu nas investigações da Lava-Jato. Terminou 13 anos e meio depois com uma presidente afastada do cargo, Lula e boa parte dos seus na cadeia.
O partido que se dizia de esquerda acabou como o maior detrator do ideário humanista e da própria esquerda. E foi decisivo para a vitória de Bolsonaro.
Mas, ao contrário da pregação bolsonarista de demonização da esquerda, o PT que ocupou o Planalto nada tinha a ver com conceitos e modos socialistas ou comunistas. Adorava e continua adorando o capital, se deliciava com restaurantes chiques, vinhos milionários, roupas de grife e hotéis de luxo. Um partido dito de esquerda que em vez de revolucionar os meios de produção financiou a elite empresarial e encheu as burras de dinheiro sujo.
Bolsonaro também tem um projeto de poder, que, assim como fez o PT com a narrativa da esquerda, usa o instrumental da direita para se colocar em pé.
Como o que conta na verdade é o futuro político dos filhos Flávio, Eduardo e Carlos, os três com mandatos legislativos obtidos no rastro do pai, e do jovem Jair Renan, que acaba de completar 21 anos, as chances de o presidente e os seus fazerem mal ao ideário conservador são enormes.
Um exemplo disso é a virulência do discurso dos filhos, que começa a criar incomodo até entre seguidores fieis. Já o pai aferrou-se à tática de falar bobagens, agredir pessoas e poderes, dentro e fora do país, destratar e xingar jornalistas, formatando, de caso pensado, o personagem do sincerão, que não tem papas na língua. Um script que pode até ter sido bem desenhado, mas sem o condão para impulsionar a popularidade do presidente, que só fez cair da posse para cá.
Associam-se a esses maus modos a permanente desconfiança que Bolsonaro tem de todos os que o cercam, a mania de perseguição, as brigas que arruma com aliados e, mais grave, a irresponsável insistência em transformar o governo em uma república familiar.
Seu projeto de poder é para a prole, essa sim, acima de tudo.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 13/10/2019.