Vozes respeitáveis pregam a saída dos militares do governo. Em artigo, o sociólogo Demétrio Magnoli rememora batalhas épicas, nas quais a vitória veio depois do recuo tático, para aconselhar nossos militares a se retirar do governo “antes que seja tarde”.
A manobra, segundo ele, teria duas virtudes. De um lado, preservaria as Forças Armadas do desgaste que inevitavelmente virá com um eventual fracasso do governo Bolsonaro e, de outro, a entrega coletiva dos cargos destruiria a estabilidade do edifício bolsonarista, o que “encerraria o levante dos extremistas que confundem os ecos de seus tuítes com a voz do povo” e, dos escombros do bolsonarismo, “ainda sobraria Mourão, e, portanto, a chance de construção de uma vereda política para o futuro”.
Magnoli esquece que as retiradas no terreno militar são extremamente delicadas e de custos altíssimos, mesmo quando bem-sucedidas. O marechal Mickhail Kutuzov, herói russo na guerra contra Napoleão, recuou para as profundezas do seu país, de onde preparou sua contraofensiva. Mas o custo do sucesso foi incendiar Moscou e territórios abandonados.
O risco que corremos, portanto, é de pagarmos um preço altíssimo pela saída dos militares do governo, sem obter sequer o sucesso de Kutuzov. Sem falar que não são raros os casos em que operações desse tipo redundaram em debandadas desorganizadas das próprias tropas.
As Forças Armadas já realizaram, com sucesso, o recuo organizado para os quartéis, quando da transição democrática. Mas essa foi uma operação bem planejada, iniciada na “distensão lenta, gradual e segura” do general Ernesto Geisel.
O momento agora é outro, os militares desempenham papel inteiramente distinto. Como pólo moderado do governo impuseram limites a aventuras na Venezuela e a idéias explosivas, como a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém. Esse seu papel não está esgotado, por mais que tenham avançado as fileiras dos talibãs do bolsonarismo.
A retirada dos militares não apenas desestabilizaria o governo. O Brasil ingressaria em uma zona de alta instabilidade.
Que condições teria um governo para aprovar a reforma da Previdência se for abandonado por um de seus pilares? Ora, já há empecilhos demais para atração de investidores, já há uma conjuntura internacional preocupante, já há uma economia estagnada que ameaça andar para trás. Não existe razão para adicionar mais imprevisibilidade a este quadro.
Não seriam menos graves as consequências políticas dessa ruptura. A possibilidade de uma nova crise institucional estaria colocada, com impacto direto nas relações entre os poderes Executivo e Legislativo. Não se sabe qual seria o desfecho dessa nova crise. Talvez um novo impeachment que alargaria a “vereda Mourão”. Ou, mais temerário: um movimento de apelo aos militares para assumirem diretamente o poder.
Nada assegura que o “levante dos extremistas” se encerraria com o retorno dos militares aos quartéis. Derrotado o “inimigo interno”, o Estado Islâmico do bolsonarismo se sentiria com força para radicalizar a agenda ideológica, avançando em outras áreas do governo sobre as quais ainda não tem o controle. O aprofundamento da “revolução conservadora” faria letra morta um objetivo caro aos militares: a coesão nacional.
Talvez os militares tenham cometido um erro estratégico lá atrás, quando se ligaram tão umbilicalmente a Bolsonaro, borrando a linha divisória entre a instituição Forças Armadas e o governo.
A retificação da estratégia não pode ser um cavalo de pau que se assemelhe a uma debandada. Melhor deixar os militares onde estão.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 15/3/2019.