Uma vez, uma só, sonhei ser repórter em Berlim.
Caneta e papel na mão – repórter à antiga –, eu conversaria com a mulher que guardou um livro durante os 28 anos de existência do muro que dividiu a cidade em dois mundos. Ou em muitos, sei lá.
Ela me revelaria não apenas o nome do livro, mas também a sensação de uma vida sem muros. De um dia para o outro, de repente, um mundo só. Desconhecido, sonhado.
Aliviada, continuaria levando livros pra casa? Ou, amedrontada, faria um intervalo, testando a liberdade recente, quase virgindade?
Hoje, hoje só, talvez eu quisesse ser repórter no Rio de Janeiro.
Caneta e papel na mão, procuraria o artista plástico que andou pescando livros na lagoa Rodrigo de Freitas.
Enquanto caminhava, calmamente, cada manhã, Xico Chaves namorava a natureza que, agradecida, retribuiu com livros de filosofia e de psicanálise.
Ao enxergá-los boiando, enquanto caminhava em volta da água, Xico Chaves correu em casa, buscou uma vara de pescar, pescou, limpou, secou, guardou. Aliás, escondeu, encaixando-os nos buracos das obras de contenção da lagoa.
Levou um – um só – pra casa: O Macaco Nu, de Desmond Morris que, sabe-se lá por que mistérios ou coincidências, procurava há muito tempo. Impossível esperar até a manhã seguinte para continuar a leitura iniciada ali, na beira da lagoa, assim, tão cedo, o sol nascendo.
Juro, queria ser repórter no Rio. Apenas por alguns momentos.
Caneta e papel na mão, faria, ao menos, três perguntas. Por que o artista plástico, após a trabalheira de pescar, limpar, secar e enxugar cada livro, levara pra casa apenas um exemplar? Por que escondera todos os outros? E quem era – ou teria sido – Lena Rúbia, que, afirma Xico Chaves, assinava todos os livros?
30/6/1991