Uma centena de pessoas se reúnem para homenagear Wander Piroli, pessoa, jornalista e escritor de primeiríssima qualidade. Ele se foi, mas sua imagem fica. Falando nele, é como se o víssemos retornar ao nosso convívio.
Lembranças de seu humor e gosto de viver e conviver. Querem dar seu nome ao viaduto que vai dar na Lagoinha, bairro que amou e descreveu tão bem.
Não sei se, consultado, ele gostaria da idéia. O fato é que, com ou sem nome em obra pública, Wander permanece no que nos deixou de mais perene, além de sua amada família e dos amigos: os livros que escreveu e que vão, aos poucos, sendo reeditados ou lançados por suas filhas Textos enxutos, exatos, comoventes, repletos de uma humanidade trágica e doída.
Saio da Casa do Jornalista e vejo nos jornais a comemoração dos oitenta anos de publicação de Alguma Poesia, primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade. Eu nem era nascido, mas acredito que nasci para o escrever quando conheci esses poemas iniciais do Poeta. Eu me lembro que fazia o curso ginasial no Colégio Arnaldo e, nas aulas de português, passávamos longe do que havia sido escrito depois de 1920. Não tinha idéia de que havia esse buraco em minha educação mas, francamente, eu não apreciava aqueles textos floreados, aquele parnasianismo, aquelas palavras enroladas.
Aí eu me transferi para o Colégio Estadual e foi como se eu passasse a fazer parte de um outro mundo. Fui inundado de poesia, literatura e cinema. Meus olhos e minha mente se abriram para experiências que eu nem imaginava.
Carlos foi essencial. Lia e relia seus poemas, incorporava seus versos como se fossem meus. “o bonde passa cheio de pernas:/ pernas brancas, pretas, amarelas/ para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração/ porém meus olhos não perguntam nada.” “ Meu Deus, porque me abandonaste/ se sabias que eu não era Deus/ se sabias que eu era fraco”. “ Eu não devia te dizer/ mas essa lua/ mas esse conhaque/ deixam a gente comovido como o diabo.”
Muitos anos depois, Vera Brant me perguntou por que eu não procurava o poeta.
Eu lhe disse que, se o encontrasse no meio da rua, eu desmaiaria. Ela lhe contou e ele, que era um missivista de tempo integral, irônico, disse que não me escreveria pois queria preservar a minha saúde. A minha saúde já estava salva pela sua poesia, que me encaminhou no rumo de outros poetas, outros versos, outras artes.
Um viaduto de concreto conduz os veículos que levam e trazem os passageiros pelas ruas da cidade. É útil e durável. Piroli merece ter seu nome em um. Drummond já tem o seu. Mas a obra da cultura (a poesia, a música, o teatro, o cinema, a literatura, as artes plásticas) independe de placas e inaugurações. Continua em nós, mesmo quando o autor não mais está. Carlos e Wander estão vivos em cada leitor que se debruça sobre suas criações.
Maio de 2010.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas.