Um dos passatempos favoritos quando a moçada se juntava era brincar de adivinhar a música a partir de uma palavra. Exemplo: a palavra é… DOCE. Então alguém se lembrava do estrondoso sucesso das irmãs Galvão (xiiii, me entreguei): “que beijinho DOCE que ele teeeem… “
AMOR, SOFRER, CORAÇÃO eram as mais manjadas, só que sempre tinha um mané que vinha com uma palavra difícil. E teve um que caprichou na escolha:
“A palavra é OUVIRUDU, e ganha um pirulito quem adivinhar”, dizia ele todo cheio de si, já certo de ser o grande vencedor do jogo.
Que palavra estranha essa! Seria estrangeira?
E por mais que escarafunchássemos a memória musical, ninguém conseguia se lembrar em qual música ela se encaixava. Então ele enchia o peito e, orgulhoso do grande feito, mandava em alto e bom som um “ouvirudu Ipiranga as margens plácidas…”
Depois de levar uma vaia homérica, acabava saindo da brincadeira, mas achando que tinha abafado. O moço realmente acreditava que estava certo!
E assim como ele, uma grande parte dos brasileiros até hoje fica repetindo o som das palavras complexas do nosso hino sem saber direito o significado delas.
Mas, convenhamos, manés à parte, eita letra complicada que aquele tal Joaquim Osório Duque Estrada pôs na linda música do Francisco Manuel da Silva, hein?
Nem criança, nem gente grande, e menos ainda jogador de futebol, consegue decorar essa letra. Na hora de entoar o hino fica todo mundo fazendo boca de boneco de ventríloco.
Então, essa determinação do Ministro da Educação (aquele sem educação que disse que brasileiro quando viaja é canibal), Ricardo Vélez, até que tem um certo cabimento no que diz respeito à obrigatoriedade de se cantar o Hino Nacional nas escolas.
É de bom tom que um estudante saiba cantar a música símbolo da sua pátria.
O problema é que esse ministro ultrapassou a linha tênue que há entre um simples ato de civismo com atitudes de um Terceiro Reich, ao tentar impor a filmagem das crianças durante a execução do hino e também pedindo que elas finalizassem a apresentação repetindo uma espécie de mantra adotado por esse novo governo: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Teve chiadeira de pais e de mestres e ele acabou voltando atrás da decisão.
Pediu desculpas, mas não explicou por que as crianças deveriam ser filmadas.
Por acaso elas seriam castigadas se não cantassem o hino direitinho?
Não! Não devia ser esse o motivo. Se fosse, tadinho do Pedro, o primo torto da minha neta, que todo alegrinho, sai cantando pela casa “se o senhoooooor dessa maldade, conseguimos conquistar com um abraço forte…”!
Este artigo foi originalmente publicado em O Boletim, em março de 2019.