Aproveitando na praia os últimos dias de férias da neta e sentindo, além de um calor absurdo, uma sensação de que o mundo “lá fora” não está chegando em mim. Apagão, alienação, ócio, tudo junto, tudo misturado.
Até mandei um e-mail pro meu editor e disse que esta semana não ia ter texto. Estava desestimulada, com preguiça mental e sem nenhuma inspiração para escrever. Internet quase parando e as notícias que vinham pela televisão me deixavam ainda mais desanimada.
Mas, depois de uma cutucada dele, voltei a me animar.
Resolvi começar parabenizando O Boletim pelos seus 22 anos de vida, dos quais há quase três eu participo, cheia de orgulho! É uma muita honra fazer parte dessa equipe!
Depois passei a procurar na minha mente vazia e preguiçosa que outros assuntos poderiam interessar aos leitores.
Mas falar sobre o quê? A tragédia de Brumadinho? Não, eu nem conseguiria! São muitas vidas e muitas histórias atoladas na lama da irresponsabilidade e da negligência dos que só olham para o próprio umbigo.
Falar sobre o novo governo? Nem tem muito o que falar; enquanto o Brasil espera pela primeira cagada literal do presidente, nada acontece. Até os queirozes foram varridos para debaixo do tapete.
Então finco meu guarda-sol na areia quente e tento, diante da imensidão do mar, achar um tema mais light, mais apropriado para a ocasião. Mas cadê assunto light? Dali onde estou sentada, é só virar a cabeça para a direita e lá vejo ele, o “tripec” que mandou Lula pra cadeia. E aí vem todo um filme ruim na cabeça.
E enquanto penso como um cara que passou anos saqueando o Brasil foi pego logo por um apartamentozinho bem simples até, se comparado com os outros em prédios de luxo que ficam à sua volta, chega a notícia da morte do seu irmão Vavá.
Já vi até uma lampadinha se acendendo sobre a cabeça do ex-presidente, sobre a dos seus advogados e sobre a cabeça (oca) da Gleisi.
Era chegada a hora de aproveitar a brecha da lei que permite que um preso compareça ao funeral de um parente próximo. Claro que usariam também o lado “sentimental” do prisioneiro para tentar o habeas corpus, embora, até onde se saiba, os laços fraternos entre os da Silva nunca tenham sido assim tão estreitos.
No período em que Lula foi presidente, dois irmãos seus por parte de pai morreram e ele não compareceu a nenhum dos funerais. Num deles alegou que não podia deixar a 27ª Reunião de Cúpula do Mercosul, em Ouro Preto, e faltou ao do outro porque “só havia sido avisado na manhã do enterro”.
Em outra ocasião, porém, conseguiu o benefício da lei pra ir ao enterro da mãe, dona Lindu, e isso deu pano pra manga aos seus fiéis escudeiros. “Se até a Ditadura permitiu sua saída naquela época, que raio de democracia é essa que não permite que ele saia agora”?
A essa pergunta a Polícia Federal apresentou uma série de respostas:
1 – Fuga ou resgate do ex-presidente Lula.
2 – Atentado contra a vida do ex-presidente Lula.
3 – Atentados contra agentes públicos.
4 – Comprometimento da ordem pública.
5 – Protestos de simpatizantes e apoiadores do ex-presidente Lula.
6 – Protestos de grupos de pressão contrários ao ex-presidente Lula.
Tudo isso e mais a falta de helicópteros, já que a frota toda estava sendo utilizada nos regates de vítimas de Brumadinho.
Apesar disso, a defesa dele entrou com um recurso e aos 45 minutos do segundo tempo o ministro do Supremo Dias Toffoli concedeu a liminar, mas determinou que o encontro com os familiares fosse em uma Unidade Militar na região do ABC.
Lula preferiu não ir. Ou porque estava muito em cima da hora, ou porque não teria chance de fazer comício, ou ainda por medo de ser recebido na porta do quartel pela deputada federal Benedita da Silva gritando LULA, EU TE AMO!
Este artigo foi originalmente publicado em O Boletim, em 1º/2/2019.