A esquerda latino-americana voltou a se reunir em Cuba, no Foro de São Paulo, do qual participou a presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann. Dela não se espere uma palavra de solidariedade aos nicaraguenses, vítimas da ditadura sanguinária de Daniel Ortega, um ícone dos bolivarianos e terceiro-mundistas.
As ruas da Nicarágua estão encharcadas de sangue. Já são mais de 360 assassinados desde o começo das recentes manifestações contra o ditador Ortega.
No entanto, reina o silêncio cúmplice de parte dos intelectuais e da esquerda tupiniquim em relação ao massacre de jovens e oposicionistas promovido pelo orteguismo.
Repete-se em relação à Nicarágua um comportamento padrão da esquerda. É contundente na denúncia de repressão e assassinatos de opositores do regime quando praticados por ditaduras de direita. E absolutamente conivente quando os mesmos crimes são cometidos por ditaduras com as quais têm afinidade ideológica. Em nome da causa, justifica tudo: a ditadura chavista, a supressão das liberdades em Cuba, a corrupção praticada pelos governos dos Kirchner na Argentina, de Lula e Dilma Rousseff no Brasil, de Rafael Correa no Equador e de Nicolás Maduro na Venezuela.
Chegam ao poder prometendo o paraíso e entregam o inferno a seus governados. Essa tragédia se reproduziu na Nicarágua.
No início dos anos 80 os sandinistas liderados por Daniel Ortega chegaram ao poder graças a uma frente amplíssima, da qual participavam famílias tradicionais, a Igreja e liberais como Violeta Chamorro – viúva do jornalista assassinado Pedro Joaquim Chamorro. Isso possibilitou o país a se livrar da ditadura dinástica, corrupta e sanguinária de Anastasio Somoza.
A história se repete como tragédia. A ditadura de Daniel Ortega também é dinástica, corrupta e sanguinária. Apesar dos métodos autoritários da Junta de Reconstrução, no início o sandinismo respeitou a liturgia democrática. A alternância do poder se concretizou em 1990, com a vitória da oposicionista Violeta Chamorro.
Ao voltar em 2007, Ortega não repetiu o “erro” de se submeter à alternância do poder. Usou a democracia para torpedeá-la por dentro. Seguindo o figurino de Hugo Chávez, alterou a Constituição para permitir reeleições contínuas. Já está no seu terceiro mandato.
O exemplo de Ortega serve de alerta para o que pode acontecer no Brasil caso o lulo-petismo volte ao poder. Esse pessoal não é dado a cometer o mesmo “deslize” duas vezes.
Como Somoza, Daniel Ortega governa com o apoio dos setores mais reacionários da Nicarágua. Em nada se diferencia do antigo ditador. Instalou uma ditadura familiar – sua mulher, Rosária Murillo, é a vice presidente do país –, e criou uma força paramilitar similar aos “coletivos” venezuelanos.
Ortega é um corrupto que acumulou uma fortuna maior do que a de Somoza. Já a renda dos nicaraguenses hoje é inferior à de 1977, época da ditaria somozista. De quebra, faz um governo extremamente conservador, proibindo a tramitação de qualquer lei de direitos civis, de gênero; impede direitos aos gays ou a discussão sobre o aborto. E ainda chamam isso de esquerda.
“Ortega, Somoza, son la misma cosa”, bradam, com propriedade, os nicaraguenses que protestam. Mesmo correndo riscos reais de serem mortos por mais uma ditadura que sobrevive sob os aplausos do Foro de São Paulo, abrigo da elite de uma esquerda ultrapassada e cega.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 18/7/2018.